Cultura

Duas perguntas a propósito dos Golden Globes

Gabriel LaBelle, ou o auto-retrato de Spielberg em "Os Fabelmans"
Gabriel LaBelle, ou o auto-retrato de Spielberg em "Os Fabelmans"

Regressou o espectáculo dos prémios da Academia de Imprensa Estrangeira de Hollywood — e Steven Spielberg, com “Os Fabelmans”, foi uma das personalidades em destaque.

E os Golden Globes, os prémios anuais da Associação da Imprensa Estrangeira [HFPA] estão de volta. Não tinham desaparecido, é verdade, mas era como se se tivessem tornado estranhamente marginais… Depois de, em 2022, terem sido manchados — e, mais do que isso, divulgados apenas através da Internet — por acusações de favorecimento de certos filmes por alguns dos seus membros, a HFPA voltou a organizar uma cerimónia em que puderam voltar a receber (e premiar) personalidades como Steven Spielberg, Cate Blanchett ou Eddie Murphy — este com o prémio de carreira Cecil B. De Mille.

A dupla vitória de “Os Fabelmans” — melhor filme dramático e melhor realização, para Spielberg [video do “Variety” aqui em baixo] — justifica uma pergunta curiosa e, afinal, urgente. Acontece que “Os Fabelmans” concorria com “Avatar: o Caminho da Água” e “Top Gun: Maverick”. Daí a pergunta:

1) - Como é que as plateias internacionais vão continuar a relacionar-se (ou não) com filmes, como o de Spielberg, enraizados nas mais sólidas tradições dramáticas de Hollywood?

Tendo em conta que o impacto de “Os Fabelmans” nas bilheteiras é, digamos assim, discreto (também em Portugal), a pergunta reflecte um estranho desequilíbrio dos mercados: face ao domínio financeiro (incluindo os milhões gastos em marketing) dos filmes ditos de “grande espectáculo”, onde estão os espectadores capazes de reconhecer a riqueza artística dos que continuam fiéis aos valores dos clássicos contadores de histórias?

O que, enfim, nos conduz à segunda pergunta:

2) - Os prémios de final de temporada, incluindo, claro, os Golden Globes são, ou não, factores de mobilização para os espectadores de todo o mundo?

Repare-se: não se trata de saber se os Golden Globes antecipam de modo mais ou menos seguro os Óscares da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (marcados para 12 de março) — em boa verdade, basta verificar as estatísticas para reconhecer que não há nenhuma relação automática entre uns prémios e outros.

Trata-se, isso sim, de saber se ainda há um número significativo de espectadores capazes de manter uma relação com os filmes que não dependa apenas (nem sobretudo) das lógicas de consumo impostas pelas campanhas promocionais mais agressivas. Afinal de contas, a cinefilia decorre do gosto da descoberta, não é, nunca será, um banal efeito secundário do marketing.