Um dos efeitos mais perversos da tristíssima desagregação do mercado musical em suportes físicos é o enfraquecimento da nossa relação, precisamente, com a(s) música(s). Poderá dizer-se que há um nicho de revalorização do vinyl — é verdade, mas é isso mesmo: um nicho. Além de que a quebra de consumo do CD, mesmo que possa ser atribuída ao desinteresse de muitos consumidores, resulta em grande parte de um esvaziamento da oferta comandado pelos agentes do mercado (aliás, à semelhança do que tem estado a acontecer com o DVD).
Há criadores musicais desiludidos com o que está a acontecer, não desistindo de “materializar” as suas composições de modo a que possam existir para lá da condição de um ficheiro mais ou menos anónimo numa pasta de um qualquer computador pessoal. O renovado exemplo da islandesa Björk aí está: celebrando a relação dos humanos com as suas raízes naturais, o seu álbum “Fossora” (por certo uma das obras mais desconcertantes e fascinantes de 2022), surgiu acompanhado por alguns telediscos que a confirmam como uma criadora em que as canções estão sempre envolvidas com imagens — um desejo de imagens — que não é estranho a um sofisticado gosto cinematográfico.
Vale a pena lembrar que Björk tem na sua trajectória — como cantora, compositora e actriz — um filme tão invulgar como “Dancer in the Dark”, do dinamarquês Lars von Trier: no Festival de Cannes de 2000 foi consagrado com a Palma de Ouro, valendo-lhe o prémio de interpretação feminina. Isto sem esquecer que a sua colecção de seis dezenas de telediscos contém “coisas” tão admiráveis como “It’s Oh So Quiet” (1995), com realização de Spike Jonze, “All Is Full of Love” (1999), de Chris Cunningham, ou “Declare Independence” (2007), de Michel Gondry — lembremos, ainda a propósito, que Jonze e Gondry são também autores de cinema.
São quatro os telediscos produzidos para acompanhar “Fossora”: “Atopos”, dirigido por Vi∂ar Logi [reproduzido aqui em baixo]; “Ovule”, de Nick Knight [ao qual pertence a imagem de Björk que ilustra este texto]; “Sorrowful Soil”, de novo por Logi; e “Ancestress”, de Andrew Thomas Huang. O menos que se pode dizer é que a sua riqueza visual e o seu sentido de espectáculo justificavam que fossem mostrados nos grandes ecrãs das salas de cinema. Não parece haver imaginação nem sentido de risco para que tal aconteça, mas não tenhamos dúvidas que seria incomparavelmente mais interessante do que muitas mediocridades que continuam a passar pelo circuito comercial.