João Lopes

Comentador SIC Notícias

Cultura

Sessão de Cinema: “Francofonia”

Como são as memórias do Museu do Louvre durante a Segunda Guerra Mundial? Este é um filme que revisita essas memórias através de uma combinação invulgar de documentário e ficção.

O Museu do Louvre revisto com rigor histórico e... uma boa dose de humor
O Museu do Louvre revisto com rigor histórico e... uma boa dose de humor

Na semana em que chega às salas portuguesas o extraordinário “Fairytale: Sombras do Velho Mundo”, do cineasta russo Aleksandr Sokurov, vale a pena (re)descobrir outro título magnífico da sua filmografia, disponível em streaming — chama-se “Francofonia”, tem data de 2015, e é um documentário/ficção sobre o Museu do Louvre.

Porquê “documentário/ficção”? Acontece que se trata de evocar uma conjuntura muito particular, ou seja, a vida do museu parisiense em plena ocupação alemã, durante a Segunda Guerra Mundial. Ao mesmo tempo, os documentos que Sokurov vai reunindo não excluem uma percepção tão desconcertante quanto fascinante das próprias obras expostas no museu. Dir-se-ia que ganham vida, discutindo connosco as formas de representação da história colectiva — assim, pode até acontecer que, numa situação de contagiante humor, Napoleão “saia” das pinturas em que está representado para observar os seus retratos e exclamar, com evidente prazer: “Sou eu!”

A dimensão lúdica de tudo isto não exclui, antes pelo contrário, as memórias da relação francamente invulgar que, naquele período, se estabeleceu entre o director do museu e o oficial nazi encarregado de administrar a “cultura” (interpretados, respectivamente, por Louis-Do de Lencquesaing e Benjamin Utzerath). Na prática, foi graças à cumplicidade tácita desses dois homens que, ao contrário do que pretendiam Hitler e Goebbels, muitas obras do museu não foram “exportadas” para Berlim.

Enfim, tal como no novo “Fairytale”, Sokurov não se limita a ser um angariador de memórias que nos possam ajudar a compreender melhor a complexidade da história humana. Ele questiona a própria transfiguração dessas memórias em narrativas — para ele, revisitar os dados históricos é também uma via de reinvenção da linguagem cinematográfica.

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