Na história e na mitologia do cinema dos EUA, o “western” ocupa um lugar muito especial: ao longo das décadas, nele nasceu uma antologia de aventuras sobre a expansão para Oeste, ao mesmo tempo apresentando, sobretudo a partir da década de 1960, uma visão crítica dessa expansão, dos seus contrastes políticos e contradições morais.
“Duelo no Missouri” (título original: “The Missouri Breaks”) é um testemunho raro desse processo, agora disponível para uma (re)descoberta graças ao streaming. A sua sinopse é tão simples como aparentemente esquemática: eis o retrato de dois homens em conflito por causa das questões da propriedade, de alguma maneira unidos pelas estratégias de sobrevivência que protagonizam…
Dito de outro modo: Tom Logan é um ladrão de cavalos que actua numa zona em que existem diversos ranchos particularmente ricos; Lee Clayton é um “especialista” em tratar situações deste género, contratado para por fim aos roubos de Logan… Pormenor não secundário: Logan e Clayton são interpretados, respectivamente, por dois gigantes chamados Jack Nicholson e Marlon Brando.
Estava-se em 1976. Brando era um nome de impacto internacional que, quatro anos antes, surgira em dois dos seus filmes mais lendários: “O Padrinho”, de Francis Ford Coppola, e “O Último Tango em Paris”, de Bernardo Bertolucci. Quanto a Nicholson, a sua popularidade estava alicerçada em títulos tão invulgares como “Easy Rider” (1969), de Dennis Hopper, “Chinatown” (1974), de Roman Polanski, ou “Voando sobre um Ninho de Cucos” (1975), de Milos Forman.
Personalidade central nas transformações de Hollywood ao longo da década anterior — sobretudo através de “Bonnie e Clyde” (1967) —, o realizador Arthur Penn conseguia, com “Duelo no Missouri”, uma proeza dúplice: por um lado, evocando um tempo mítico habitado por personagens com vocação de heróis; por outro lado, sabendo expor as ambivalências desse tempo e, em particular, as muitas formas de violência que o marcaram. Estamos, afinal, perante um exemplo de modernidade crítica, hoje em dia já inscrito na galeria dos clássicos produzidos há cerca de meio século.