Em Portugal, o modelo de arbitragem está esgotado.
É certo que o setor evoluiu nos últimos anos, mas mal seria se assim não fosse, tal a transformação que o desporto sofreu entretanto.
O crescimento exponencial da tecnologia, a melhoria das condições de trabalho e a profissionalização de várias áreas foram fundamentais para elevar o nível para outro patamar. Também o aumento do mediatismo alavancou a necessidade de se fazer mais e melhor. A arbitragem não ficou indiferente a esse crescimento e hoje os árbitros dispõem de meios e condições bem melhores do que aqueles que tinham no início do século.
No entanto, o paradigma continua igual, continua o mesmo. Nada mudou.
O Conselho de Arbitragem está centrado no edifício físico da Federação Portuguesa de Futebol, não por opção mas por imposição legal e "sugestão" internacional. Essa não a regra apenas por cá, é-o em quase todo o lado. Fará sentido que assim seja, quando estamos a falar de um órgão independente?
Quanto à composição, está dividido em três áreas, todas com elementos que são, na sua maioria, amadores. Apesar da dedicação e do tempo despendido (mais, muito mais do que se possa imaginar), poucos são os que têm vínculo contratual com a casa-mãe. É algo que não faz sentido, face à exigência a que estão sujeitos e àquilo que a arbitragem lhes solicita diariamente.
O atual sistema de classificações não é muito claro e deve ser revisto. É fundamental que assente (e aparente assentar) em premissas estritamente objetivas, que premeiem a meritocracia e que sejam percetíveis. Percetíveis para todos. Essa é uma área demasiado sensível para não ser absolutamente transparente. A verdade é que, atualmente, o essencial da avaliação dos árbitros assenta no seu processo de decisão e esse é quase sempre exposto através das imagens. A existência de observadores in loco poderá fazer sentido mas noutra ótica, que deve ser repensada e reavaliada.
O pós-carreira continua a ser o mar de dúvidas que sempre foi. O que se faz quando se termina? Quem é aproveitado para a estrutura e quem não é? Como é feita a transição para a vida profissional, com 45 anos de idade e mercado de trabalho fechado?
O mesmo se aplica em relação à continuidade ou não no quadro de árbitros (45-48 anos): em que critérios objetivos assenta a escolha? Quando é que os árbitros são informados da decisão, que tem impacto emocional e financeiro no seu futuro imediato? Nas suas vidas pessoais e familiares?
E a vídeo tecnologia? Precisa ou não precisa pensar em criar um quadro especializado, com carreira bem definida, tal como existe em relação aos árbitros assistentes? Num futuro próximo, fará sentido que árbitros no ativo alternem a sala com o terreno de jogo, onde as competências exigidas são totalmente distintas? Não será a mudança de chip (de sábado para domingo) prejudicial para o seu foco e desempenho?
E depois há a eterna questão do recrutamento de novos árbitros, que nunca teve investimento estratégico, investimento sério. Os conselhos regionais de arbitragem, também eles totalmente amadores e a trabalharem por amor à camisola, operam verdadeiros "milagres" na forma como tentam cativar jovens para a classe, envolvendo clubes, escolas e autarquias... mas não chega. O processo tem que ser preparado a outro nível, com outro planeamento e recursos. Há anos que se sabe disso e nunca nada se fez, sabendo que só uma base forte sustenta um topo de sucesso.
Atualmente temos menos de metade dos árbitros que o futebol precisa e muitos acabam por abandonar a carreira passados um, dois anos no ativo. O ambiente não é fácil e sem recursos nem acompanhamento não é fácil assegurar a continuidade. Quem pode censurá-los?
Já os "árbitros profissionais", que não são todos profissionais e deviam ser, treinam bem e têm bom acompanhamento, mas não o suficiente para a exigência atual. É possível fazer-se mais e melhor a esse nível. A esse nível, a nível de medico, nutricional, psicológico, familiar. Também lhes cabe a obrigação de participar ativamente em ações de "charme", em campanhas de sensibilização, capazes de melhorar a imagem da classe e humanizar o seu trabalho junto de adeptos e público em geral.
As pessoas gostam dessa proximidade, porque mostra transparência e dilui suspeitas.
Ao nível da comunicação, é o zero total. Um vazio inexplicável. Não é de agora, é desde sempre. Nunca há um esclarecimento, uma explicação técnica, uma palavra clara de apoio ou repúdio, um apelo, uma intervenção sensata. Nunca há uma justificação. É um silêncio ensurdecedor, incompatível com a realidade destes tempos e com o que se espera de um setor que tem que perceber que é parte integrante de uma indústria muito maior que a seu casulo.
Há também a questão do espaço. A arbitragem não tem "casa" própria. Não tem um lugar só seu. Paga dezenas de milhares de euros por ano a hotéis para fazer estágios, testes e provas. Porquê, se podia fazê-los intra muros? Não faz sentido.
Há um mundo de coisas que deve ser mudado na classe. Demora, custa a arrancar e só produzirá resultados com tempo, resiliência e muita paciência, mas a mudança não é apenas necessária. É inevitável e deve começar ontem.