João Rosado

Comentador SIC Notícias

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Rui Costa, crime e casino

Opinião de João Rosado. Em Salzburgo, o maestro vai ter a grande final para a Liga Europa. Se a orquestra desafinar, o fosso cresce para Schmidt, mas o presidente nunca irá despedir o treinador ao estilo de... Sousa Cintra.
Rui Costa, crime e casino
Valerio Pennicino - UEFA

Dez anos depois de ter conduzido o Red Bull Salzburg à "dobradinha", Roger Schmidt regressa hoje à cidade de Mozart como maestro de uma orquestra pouco afinada e mergulhado num fosso muito difícil de trepar à escala europeia.

Perante os resultados da quinta jornada da Liga dos Campeões, o Benfica despedir-se-á das competições europeias se for incapaz de vencer na Áustria por dois golos de diferença e tudo aquilo que em março deste ano prometia ser um maravilhoso ensaio para uma sólida recuperação do prestígio internacional corre o risco de ficar traduzido numa "rentrée" desastrosa.

Roger Schmidt
JOSE SENA GOULAO

A depender, no mínimo, de uma devolução integral do resultado que os homens de Gerhard Struber selaram em Lisboa, as águias podiam, apesar de tudo, estar a esta hora numa posição mais confortável. Caso a segunda parte do duelo na Luz com o Inter de Milão não tivesse confirmado uma espécie de maldição histórica, logo "bastaria" ganhar por meio a zero para garantir o apuramento para o "play-off" da Liga Europa.

Os milaneses, em sete confrontos, nunca permitiram um triunfo ao Benfica e na qualidade de visitantes tinham a baliza inviolada até ao festival João Mário celebrado em apenas 45 minutos. Num reencontro especial e talvez determinado a mostrar aos "nerazzurri" por que motivo um dia saiu do Sporting a troco de 45 milhões de euros, o subcapitão protagonizou os melhores... 45 minutos da carreira e parecia o jogador que em 2022/23 assinou 23 remates certeiros e 13 assistências em 51 desafios.

O histórico "hat trick" de João Mário a Emil Audero valeu o primeiro ponto aos campeões nacionais e retirou do anedotário futebolístico a celebração de Rafa em San Sebastian. Antes da recepção ao líder da Série A, a pontaria encarnada resumia-se ao golo marcado à Real Sociedad, sendo que o "herói" do empate frente ao Farense é um dos "sobreviventes" do percurso que em 2017/18 proporcionou um recorde negativo, com... zero pontos amealhados e somente um festejo de Seferovic para amostra.

ANTONIO COTRIM / LUSA
Quality Sport Images

TUDO SE ADI RESOLVER

Na temporada em que o "pistoleiro" Jonas disparava contra tudo e contra todos mas não compensava as muitas insuficiências defensivas na sequência da saída de Ederson, o desequilibrado onze de Rui Vitória ficou a 9 pontos do CSKA de Moscovo e a... 12 (!) de um FC Basel que foi inclusivamente capaz de aplicar chapa 5 quando abriu a porta de casa aos portugueses.

E a exemplo do que aconteceu quando o objectivo do "penta" se esfumou, a confrangedora resposta dada perante a "classe média" europeia revela-se a verdadeira razão dos pesadelos de Rui Costa, até porque ainda é cedo para se calcularem todos os prejuízos inerentes à decepcionante campanha na Champions.

Mesmo que a revalidação do título luso seja uma realidade em maio de 2024, o presidente benfiquista, na eventualidade de também dizer adeus à Liga Europa, pode ficar com dúvidas sobre o projeto sonhado quando há nove meses renovou com Schmidt até 2026.

Se o alemão, face à a natureza do investimento feito neste defeso, apresentar na viragem do ano um produto para mero consumo interno, é legítimo equacionar-se a sua capacidade para liderar um clube apostado em resgatar fama mundial e que só na compra de Orkun Kokçu assumiu um compromisso de 30 milhões de euros. O mesmo valor que o Red Bull despendeu em... todas as contratações.

Subir a fasquia no mercado e apetrechar o técnico com os Grimaldos, os Enzos e os Ramos desta vida é pura e simplesmente incomportável para a SAD, sobretudo depois de terem sido congeladas as injeções financeiras fornecidas pela Liga milionária.

Claro que Roger Schmidt está longe de ser o único culpado e o que mais não faltam na história recente do clube são exemplos de treinadores incapazes de fazer milagres além-fronteiras. Só que entre fazer milagres e exigir-lhe que não termine atrás de um concorrente que passeia como quer na Bundesliga (há 10 anos que carrega as faixas de campeão) há uma diferença enorme.

Há 30 anos, quando o Red Bull ainda jogava a sorte nos tapetes verdes sob a designação de Casino, Sousa Cintra, em pleno avião, despediu o lendário Bobby Robson depois de o Sporting ter perdido por 3-0 em Salzburgo, desperdiçando na segunda mão da terceira ronda da Taça UEFA a vantagem de 2-0 obtida em Alvalade.

Para o inesperado descalabro dos leões foi decisivo o "tiro" de um tal Adi Hutter aos... 90 minutos, levando o duelo para prolongamento. O mesmo Hutter que passadas duas décadas substituiu Schmidt no emblema que ganhou asas com o poderoso patrocinador.

GONZALO FUENTES

A questão, agora, não se coloca. Nem Rui Costa é Sousa Cintra e nem o sensacional Mónaco libertaria o austríaco.

No voo de regresso da cidade de Mozart, o mais icónico maestro da Luz jamais cometerá o "crime" de despedir o treinador.

Mesmo que perca todas as fichas diante do velho Casino.

RODRIGO ANTUNES