João Rosado

Comentador SIC Notícias

Desporto

Pouca Luz e muitos gemidos

À exceção de Aursnes, já várias peças-chave no Benfica mostraram desalento perante as decisões de Roger Schmidt.

Pouca Luz e muitos gemidos
TF-Images

Mais vale um som que mil imagens. O acontecimento do sorteio da fase final do Campeonato da Europa não teve (quase) nada a ver com a colocação da Itália no grupo de Espanha e Croácia. Quando Brian Laudrup “escolheu” a campeã europeia para lutar pelo apuramento para os oitavos-de-final com a... Albânia e as duas seleções finalistas da última edição da Liga das Nações, já a sala tinha pouco fôlego para grandes exclamações e gargalhadas.

Os comentários mal disfarçados e os olhares trocistas tinham esgotado o repertório e enchido o Elbphilharmonie de Hamburgo segundos antes, despertados por um telemóvel que na hora programada reproduziu sons de gemidos alegadamente extraídos de um filme pornográfico.

Apanhada de surpresa face à intromissão sonora entretanto reivindicada pelo comediante Daniel Jarvis, a plateia não conseguiu evitar um burburinho tal que até Giorgio Marchetti, o diretor de competições da UEFA, se viu na obrigação de sossegar tudo e todos, assegurando ao mano mais novo dos Laudrup, a David Silva e aos milhões de telespectadores que os “barulhos estranhos” tinham finalmente terminado.

A partir daí, o que aconteceu no palco relegou para segundo plano o rosto fechado de Luciano Spalletti (sucessor de Roberto Mancini na Squadra Azurra), e para a história da realização televisiva ficou o sorriso de orelha a orelha de Julian Nagelsmann, captado na sequência do golpe mediático desferido pelo influencer britânico.

E esse mérito ninguém pode tirar a Jarvis. Independentemente das questões legais que se vão seguir e admitindo que tudo aconteceu conforme o “autor” anunciou ao Mundo, não é todos os dias que se vê um treinador alemão incontido numa alegria imensa.

Roger Schmidt reconhecerá esta evidência melhor do que ninguém e até se aceita que nos dias que correm esteja profundamente desiludido com quem o fez perder a corrida com o esfuziante Nagelsmann para o cargo de selecionador da Alemanha.

A cláusula de rescisão cifrada em 30 milhões de euros que solidifica o contrato “português” e a proximidade do ex-técnico do Bayern Munique com os responsáveis da Federação-sede do próximo Europeu terão “obrigado” Schmidt a permanecer em Lisboa, onde a sorte nesta temporada parece madrasta daquela que Spalletti teve no sorteio de Hamburgo.

Primeiro foi a escorregadela de Musa na jornada inaugural do campeonato que conduziu à expulsão do croata no Bessa e à precipitada substituição de Di María. O fantasista argentino gemeu de irritação e logo a seguir foi a vez de Vlachodimos gemer de indignação quando soube que estava fora do onze titular diante do Estrela da Amadora... depois de ter ouvido o técnico criticá-lo em público na sequência da exibição ante o Boavista.

Agastada pela escassa utilização no centro da defesa na fase inicial da época, a família Morato também foi célere a denunciar o incómodo. Nas redes sociais começou por manifestar uma dor indisfarçável, talvez longe de imaginar as queixas que neste momento o jogador deve sentir na condição de improvisadíssimo defesa-esquerdo.

Victor, vitória curta

O compatriota João Victor padece(u) do mesmo, só que do lado contrário. Inicialmente, terá gemido de... indiferença nos treinos em que dia após dia foi testado na lateral direita e acabou por ser penalizado pela estrutura do clube, falhando a deslocação a Milão na segunda jornada da fase de grupos da Liga dos Campeões.

Cumprido o castigo disciplinar, o central de raiz voltou a marcar presença no banco e este domingo voltou a ser utilizado nos últimos minutos como... Alexander Bah IV no empate sem golos diante do Moreirense.

No caso de João Neves, o desconforto foi revelado de maneira ainda mais constrangedora e penalizante. Impedido de mostrar enquanto... defesa-direito um décimo das qualidades que revela no centro do terreno, o pequeno-grande João contribuiu involuntariamente para o descalabro coletivo que a aposta no 3-5-2 traduziu em circunstâncias que roçaram a humilhação.

Qualquer palavra de Neves sobre o sofrimento tático a que foi submetido era de todo dispensável atendendo às “feridas” profundas causadas por adversários da fina estirpe da Real Sociedad.

Claro que no balneário encarnado também há aqueles que nasceram para se adaptarem e resistir. Fredrik Aursnes é tão “impronunciável” nos lamentos como no nome e, conforme se verificou mais uma vez no último desafio das águias, joga onde lhe disserem para jogar.

Se tivesse falhado a contratação de Trubin depois de falhada a do brasileiro Bento, o norueguês se calhar até já tinha sido opção para a baliza e nesta altura consegue ser o nome mais credível para os dois corredores laterais do bloco defensivo.

Aursnes não emite um som, não faz barulho, não estranha a pouca Luz que se viu em Moreira de Cónegos e que fez a alma dos adeptos gemer com o resultado.

Schmidt, se não (os) ouviu, só tem de perguntar a Rafa o que este disparou para a bancada no fim do encontro.

Sim, terá sido um som e terá significado mais que mil imagens.