Naturalmente que essa irracionalidade (a emocionalidade é outra coisa bem diferente) pode ser atribuída a vários fatores que, confesso, já tentei perceber, sem grande sucesso. Mas mesmo entre aqueles que se dedicam ao estudo de fenómenos comportamentais, não há grande unanimidade.
A única coisa em que parece haver convergência é que não há apenas uma ou duas razões que justifiquem tanta histeria e má-educação em ambiente virtual, quando o tema é bola. Pelo contrário: há um conjunto de fatores psicossociais e emocionais que contribuem ativamente para essa intolerância, rispidez e agressividade (e não me refiro apenas à do adepto anónimo) que, fora desse contexto desportivo, não acontece. Na vida real, essas pessoas são educadas, honestas e trabalhadoras e quase sempre incapazes de materializar um décimo das baboseiras que dizem online.
No meio disto tudo, uma nota importante: a esmagadora maioria das pessoas que gostam de desporto não promovem, não fomentam nem participam nesses comportamentos de arruaça. É gente que sabe estar e que tem equilíbrio emocional, mesmo quando as decisões ou os resultados não agradam.
O problema é a minoria que se porta mal. Essa tem impacto demasiado notório pela força do seu belicismo, dimensão das suas ameaças ou consequências que a sua insatisfação assume na pele dos outros.
Como se sabe, insistir em medidas educativas, ações de sensibilização e campanhas positivas é sempre importante e pode ajudar a lavar a alma de quem está no jogo dessa forma feia e desequilibrada. Isso aplica-se naturalmente a quem se perde na redes sociais e a todos aqueles que espalham miséria nos estádios e respetivas imediações. O problema é que a prevenção só por si não tem capacidade de estancar a avalanche de horrores que tantas vezes se lê, ouve e vê por aí.
E é nesse momento que deve entrar em ação uma justiça desportiva e civil que seja firme, célere e eficaz. Uma capaz de exercer uma espécie de pedagogia a posteriori, punindo comportamentos violentos ou outras manifestações de crueldade e intolerância. Isso será sempre mais dissuasor do que investir milhares de euros em campanhas que raramente passam de processos de (boa) intenção.
Na minha opinião, é esse equilíbrio que falta. Aquele que calibra o que se faz antes com a forma como se resolve depois.
É a chamada democracia musculada, que funcionou bem nos anos 80, quando o futebol inglês - hoje o mais caro, apelativo e mediático do planeta - andava nas ruas da amargura, com mortes trágicas em estádios, hooliganismo intramuros e equipas banidas das competições europeias. Os ingleses tiveram de bater no fundo para renascer das cinzas, mas porque houve alguém com poder que disse "basta!!".
Não estamos nesse patamar de horror (nem pouco mais ou menos), por isso seria boa ideia começar a olhar para a tal dicotomia e perceber como trabalhar em mudar mentalidades, sem permitir depois grandes veleidades.
Quando se fala sobre isto desta forma fácil, parece que estamos a refletir sobre uma verdade inalcançável, um tema tabu, impossível de alcançar nos próximos anos, mas não é verdade: tudo isto é fazível e de forma bem mais simples e fácil do que parece.
Basta haver cabecinhas pensantes com responsabilidades a vários níveis, que se sentem a uma mesa, batam uma bolas, cheguem a conclusões, criem um plano e concretizem-no, com os meios e recursos que isso exigir.
Pensar e fazer. Ou deixar andar.