Economia

Os pontos-chave do plano de Bruxelas para “poupar gás para um inverno seguro”

Bruxelas quer redução de 15% no consumo de gás, Portugal já anunciou que rejeita a proposta. Veja aqui os pontos-chave deste plano proposto pela Comissão Europeia.

Os pontos-chave do plano de Bruxelas para “poupar gás para um inverno seguro”
Virginia Mayo

Bruxelas defende que Moscovo está a utilizar as exportações de gás como "arma". Nos próximos tempos, a União Europeia pode vir a sofrer novos cortes no abastecimento, numa altura em que cerca de metade dos Estados-membros já foram afetados por estas reduções.

A Comissão Europeia acredita que se forem adotadas "já as medidas necessárias", os riscos e os custos para a Europa poderão ser minimizados. Por isso propôs um plano para reduzir a procura de gás e preparar a UE para novos cortes no abastecimento - "Poupar gás para garantir um inverno em segurança".

A proposta de Bruxelas está longe de ser consensual. Países como a Alemanha ou a Dinamarca defendem que o corte até devia ser maior. Estados-membros como a Hungria, a Polónia ou a Eslováquia defendem precisamente o contrário. França propõe limites diferentes consoante as circunstâncias e Portugal e Espanha defendem que não devem sequer entrar na equação.

Reunimos alguns pontos-chave deste plano proposto por Bruxelas e que será decidido na próxima terça-feira.


Em que consiste o plano europeu para “poupar gás para um inverno seguro”?

Este plano, proposto pela Comissão Europeia na quarta-feira, define como pode a União Europeia (UE) "lidar com possíveis cortes no fornecimento de gás por parte da Rússia de forma coordenada".

O principal objetivo é a redução dos consumos de gás em todos os países da União Europeia, que deve começar já em agosto. Ou seja a Comissão Europeia propõe que todos os Estados-membros diminuam o consumo em 15% de 1 de agosto de 2022 a 31 de março de 2023, em comparação com o consumo médio no mesmo período durante os cinco anos anteriores.

Um eventual corte total do gás russo podia fazer cair ainda mais a economia europeia. Por isso, o esforço de poupança é pedido a todos países.

O recado de Bruxelas é para que comecem já a poupar no verão, de forma a evitar o caos energético no inverno. O objetivo da UE é usar menos gás agora para conseguir ter reservas suficientes. Neste momento estão a 65% e a meta é estarem a 80% a 1 de novembro, "de modo a garantir o aprovisionamento necessário para o próximo inverno".

Este corte é voluntário?

O corte é, para já, voluntário, mas pode tornar-se obrigatório caso a Rússia corte o fornecimento de gás.

É improvável que falte gás para o aquecimento nas casas, escolas e hospitais, porque os Governos são obrigados a impor o racionamento primeiro às empresas.

Ainda assim, as famílias são incentivadas a contribuir para o exercício social de economizar energia, por exemplo, reduzindo o aquecimento, secando roupas ao ar, desligando luzes desnecessárias e melhorando o isolamento das casas sempre que possível.

Até setembro a Comissão pede que os 27 atualizem os planos de emergência e identifiquem "como tencionam cumprir a meta de redução do consumo". Apela ainda a uma "solidariedade" e "coordenação" entre os Estados-membros.

O que pode acontecer se os Estados-membros não agirem?

Os cenários mais pessimistas apontam para uma quebra do Produto Interno Bruto que pode ir até 1,5%, se nada se fizer e o corte de gás russo for total.

Antes do início da guerra, 40% do gás natural da Europa era fornecido pela Rússia. Neste momento, apenas 15% do gás que chega tem origem russa, o que fez com que os preços aumentassem e as industrias de uso intensivo de energia ficassem sobrecarregadas.

Desde que a União Europeia começou a aplicar sanções às empresas e bancos russos e a enviar armamento para a Ucrânia, a Rússia cortou o gás a seis países e reduziu o fornecimento a outros seis.

Um corte completo no fornecimento do gás poderia representar um golpe ainda mais pesado numa economia já conturbada. Por isso, o esforço de poupança é pedido a todos países, mesmo aos que, como Portugal, pouco ou nada dependem do gás russo.

O que se espera dos 27 Estados-membros?

O plano "poupar gás para garantir um inverno em segurança" assenta em três pilares: economizar energia, substituir fontes e solidariedade entre Estados-membros.

A Comissão Europeia recomenda que os 27:

  • Poupem na energia usada no aquecimento e arrefecimento, com poupanças obrigatórias em edifícios públicos e redução nos consumos em centros comerciais e escritórios;
  • Substituam a utilização do gás por combustíveis alternativos, preferencialmente energias renováveis, para minimizar as restrições na indústria;
  • Incentivem à poupança de energia em grandes empresas através de ferramentas de mercado, como apoios ou contratos de interruptibilidade de consumo de gás.

Estão definidos consumos prioritários?

A Comissão vai também dar "orientações e critérios de priorização" ao Estados-membros para reduzirem os consumos de gás de uma forma estruturada.

Em caso de racionamento, setores considerados "socialmente críticos", como o da saúde, farmacêutico, ambiente, segurança, defesa, refinarias e alimentação, terão prioridade nos consumos. Ou seja as "regras de segurança de abastecimento da UE existentes garantem que (...) famílias e serviços sociais essenciais, como hospitais e escolas, estão isentos de qualquer medida de racionamento de gás".

As medidas de redução centram-se principalmente na indústria, no entanto todos podem contribuir para a poupança de gás. Por isso, o apelo é que os consumidores individuais e as empresas não industriais comecem desde já a alterar os seus hábitos de consumo.

Caberá a cada Estado-membro decidir a melhor forma de aplicar a redução da procura, porém devem ter em conta o conjunto comum de critérios e princípios de priorização.

A indústria vai ser obrigada a parar?

Em caso de emergência, os cortes vão acontecer primeiro na indústria, o que poderá conduzir a uma paragem forçada de fábricas por toda a Europa.

Ainda assim, a União Europeia garante que está a fazer tudo o que pode para evitar uma redução da atividade industrial e, dessa forma, refere a importância da poupança preventiva de gás.

Os Estados-membros devem também dar prioridade a medidas que incentivem a mudança ou substituição do gás natural por outros combustíveis, de preferência por alternativas mais limpas e fontes de energia renováveis. A Comissão explica ainda que as restrições no fluxo de gás, racionamento e corte avançariam apenas em último recurso, quando todas as outras opções estivessem esgotadas.

Como será assegurada a solidariedade entre Estados-membros?

Este plano baseia-se no princípio da solidariedade. Cada Estado-membro terá de reduzir o seu consumo nacional de gás para diminuir a diferença entre a oferta e a procura na UE.

Em situação de emergência, caso o abastecimento a um Estado-membro deixe de estar assegurado, os países vizinhos "têm obrigação de agir em solidariedade e fornecer gás onde ele seja mais necessário, mesmo que isso obrigue a cortar o fornecimento aos seus próprios consumidores não protegidos", propõe a Comissão.

O plano terá impacto no preço do gás?

Bruxelas acredita que, devido à situação geopolítica e de mercado, os preços do gás vão permanecer altos, mas uma redução no consumo poderá ter um impacto positivo.

A Comissão está também a estudar um limite de preço para o gás importado: "Estamos a analisar diferentes modelos e maneiras em que um teto no preço pode funcionar em caso de corte de fornecimento ou situações de emergência".

Portugal está a favor deste plano?

Portugal, a par de Espanha, já disse que rejeita este plano. O ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, admitiu que esta medida não é "aceitável para Portugal", explicando que o país tem fracas interligações de gás com outros países da UE.

Duarte Cordeiro adianta que Portugal tem uma maior dependência de gás no que diz respeito à produção elétrica. Por isso, entende que a proposta apresentada pela Comissão "não serve os interesses do nosso país".

O secretário de Estado do Ambiente e da Energia, João Galamba, lembrou também que nos primeiros cinco meses do ano, Portugal aumentou o consumo de gás em 67% com o objetivo de produzir energia elétrica. Esta redução proposta pela Comissão é "insustentável", uma vez que obrigaria o país a ficar sem eletricidade.

Na próxima terça-feira, os ministros da Energia dos vários Estados-membros vão reunir-se para analisar este plano. Este encontro será decisivo para futuro deste plano e da sua implementação na União Europeia.