Portugal é dos países europeus com mais crédito à habitação a taxa variável, a principal proposta dos bancos para quem precisa de empréstimo para comprar casa que implica incerteza para as famílias em momentos de subida de juros.
Segundo dados do Banco Central Europeu (BCE), que fazem comparação entre vários países da União Europeia, em maio deste ano, 73,15% do novo crédito à habitação foi feito a taxa variável.
Com mais empréstimos a taxa variável, em maio, ficaram apenas Estónia (91,20%), Finlândia (98,10%), Letónia (90,42%) e Lituânia (96,48%). Já em Espanha apenas 22,33% dos créditos à habitação foram a taxa variável e na Bélgica a proporção é ainda menor, apenas 7,62%.
Para o total do stock do crédito à habitação, o BCE não tem dados. Segundo o Banco de Portugal, 90% do stock de crédito à habitação em Portugal é a taxa variável.
Ainda que estudos baseados no histórico das últimas décadas indiquem que a taxa variável tem sido mais favorável a longo prazo, no imediato os clientes bancários ficam sujeitos às variações dos juro e, logo, da prestação mensal. O que em famílias com orçamentos “à justa” significa um grande problema e, nos últimos meses, levou a milhares de reestruturações e renegociações.
No início do ano, no âmbito de medidas sobre habitação, o Governo obrigou os bancos a disponibilizar ofertas de taxa fixa. Então, vários bancos reagiram dizendo que já tinham essa oferta e fontes do setor referiam que muitos clientes é que não se tinham precavido atraídos pela Euribor em valores negativos.
Oferta de taxa fixa sempre foi pouca e restrita
Informações recolhidas pela Lusa indicam que a oferta de taxa fixa em Portugal sempre foi pouca e restrita. Os bancos pouco a propunham e era geralmente de médio prazo, não abrangia a duração total do empréstimo. Era ainda pouco atrativa, sendo grande o diferencial da prestação mensal com taxa variável face à prestação mensal com taxa fixa.
Maria Alves comprou casa em Lisboa em 2017. Foi a vários bancos e, segundo conta, nunca lhe foi proposta taxa fixa. O crédito tem um spread de 1,2% (já revisto pois o inicial era mais alto) e está indexado à Euribor a seis meses. A prestação inicial de 300 euros custa agora mais de 500. A bonificação de juros aprovada pelo Governo foi recusada por ainda não atingir a taxa de esforço estabelecida na medida quando, diz, tem conseguido pagar "com muito esforço". Teme que na próxima revisão, em outubro, já não consiga pagar com o ordenado e tenha de recorrer às poucas poupanças.
Joana Magalhães comprou casa em 2021 quando os preços em Lisboa eram já muito altos. Pediu 300 mil euros de crédito para poder comprar um apartamento de 100m2. Houve apenas um banco que lhe falou de taxa fixa, mas a diferença seria pagar 900 euros de prestação com taxa variável ou mais de 1.300 euros com taxa fixa.
"Era muito, muito acima e logo desincentivador", conta, acrescentando que andou a ler e a informar-se e que tudo dizia que, na duração total do empréstimo, pagaria muito mais pela casa ao banco se optasse pela taxa fixa do que pela variável.
Com o aumento das taxas de juro, a prestação aumentou tanto que em março teve de negociar uma carência de capital, pagando agora cerca de 500 euros só em juros. Mas já sabe que, na próxima revisão, só em juros pagará 1.250 euros.
Questionada sobre o que fará quando acabar a carência, diz que o banco "vai ter de fazer alguma coisa, senão acabou", ou vende a casa ou a entrega ao banco porque não pode pagar uma prestação que estima atingir os 2.000 euros.
Joana já tentou mudar o crédito para outro banco onde conseguiu condições melhores, contudo, não pôde fazê-lo por a sua taxa de esforço estar acima de 50%.
"O Banco de Portugal, ao manter esta norma em período de crise, impede as pessoas de mudar de banco. Ou as pessoas têm empréstimos mais antigos e mais baixos ou quem tem empréstimos mais recentes e mais altos, como eu, não consegue. Isto beneficia novamente os bancos que fazem o que bem entendem porque sabem que as pessoas têm dificuldades em mudar", considera.
Paulo Fontes, quando comprou casa com a mulher em 2018, correu vários bancos na zona do Porto e "sugeriram sempre taxa variável". "Perguntei da taxa fixa e disseram-nos que nem valia a pena pensar nisso, pois iríamos perder dinheiro", afirmou à Lusa.
Para um empréstimo de 140 mil euros a 30 anos ficaram com uma prestação de 460 euros. Em 2022, vendo que a prestação iria para valores que não conseguiriam pagar, passaram o crédito do banco comercial para Cofre de Previdência dos Funcionários e Agentes do Estado, com taxa fixa, e têm agora uma prestação de 500 euros para toda a duração do empréstimo.
"Falei há duas semanas com o que era meu gestor de conta que me disse que, se não tivesse mudado, estaria a pagar perto de 900 euros", afirmou à Lusa.
O que se passa noutros países da Europa?
Na Bélgica é muito comum a taxa fixa ser proposta pelos bancos e o diferencial face à variável não ser tão grande, pelo que muitos a preferem para não correr riscos. Assim, atualmente, a subida dos juros não é diretamente um problema para quem paga casa ao banco. Os trabalhadores na Bélgica beneficiam ainda de os salários subirem obrigatoriamente todos os anos consoante a inflação.
Bruno da Silva e a mulher compraram casa em Bruxelas em 2022, já após o início da guerra na Ucrânia e quando já se previa o aumento dos juros, com um crédito a 25 anos. Nos primeiros 20 anos pagam uma taxa fixa de 1,3%. Depois, é revista para os cinco anos seguintes em função das taxas de mercado, mas não pode ser superior a 2,6%.
"As soluções variavam muito de banco para banco, optámos por este, mas as condições para taxa fixa para todo o contrato não eram muito piores", conta à Lusa, explicando que foram as condições favoráveis que lhes permitiram comprar uma casa de quatro andares na capital belga pagando 1.400 euros, pouco acima dos 1.300 euros de renda que pagavam pelo apartamento. Em Portugal, diz, não sente que os reguladores e a "legislação protejam as pessoas".
A espanhola Lourdes Vega e o marido compraram casa em maio de 2020 numa cidade próxima de Madrid. Então fizeram crédito com taxa fixa de 1,74% por 20 anos. "Podíamos ter feito a taxa fixa ou variável, mas decidimos fixa. Com uma taxa abaixo de 2% não valia a pena arriscar", disse à Lusa.
DECO defende regulação que torne taxa fixa transparente e competitiva
A DECO Proteste defende que, em Portugal, seja estabelecida uma regra para a oferta de taxa fixa no crédito à habitação, considerando que a falta de regulamentação não permite que as taxas sejam transparentes e, logo, não fomenta a concorrência entre bancos.
Segundo Nuno Rico, economista da associação de defesa do consumidor DECO, a pouca existência de taxas fixas no crédito à habitação em Portugal tem razões históricas e económicas.
"Nunca houve uma verdadeira oferta de taxa fixa que fosse competitiva, houve falta de interesse por parte da banca nessas ofertas", disse à Lusa, referindo que num estudo feito pela DECO em 2017 e 2018 só cinco bancos tinham essa oferta e eram em geral taxas mistas (uma mistura de taxa fixa e taxa variável) até 10 anos, havendo poucas instituições que propunham taxa fixa para a duração total do contrato.
O facto de Portugal ser um país periférico, percecionado pelos mercados internacionais como de risco maior, também contribuiu para que a taxa variável fosse mais fácil de ser proposta pelos bancos, acrescentou o economista, para quem haver cinco bancos a controlar 80% do mercado é outro fator que não ajuda a fomentar a concorrência.
Assim, em Portugal, a taxa fixa "nunca foi minimamente atrativa quando comparada com a variável", quer pela pouca oferta quer pela grande diferença entre elas.
Nuno Rico considerou normal que a taxa fixa seja mais alta, pois há como que o pagamento de um seguro pela certeza de que se pagará sempre o mesmo, mas em Portugal "o problema é o diferencial entre as duas", que pode ir de 1,5 a 2,0 pontos percentuais.
"Num cenário em que as pessoas já têm muita dificuldade em aceder a crédito devido à elevada desproporcionalidade entre o custo da habitação e o rendimentos acrescentar esta de proporcionalidade [entre taxa fixa e taxa variável] levou à situação que temos hoje", em que 90% do crédito à habitação existente em Portugal é a taxa variável, o que torna as famílias portuguesas das mais expostas à variação das taxas de juro, explicou.
O economista considera que a falta de enquadramento legal também contribui para, em Portugal, haver sobretudo crédito à habitação a taxa variável.
Em abril, a DECO enviou uma carta aberta ao Governo e ao parlamento na qual defendeu várias medidas para melhorar o programa Mais Habitação, nomeadamente estabelecimento de regulamentação para a taxa fixa.
A DECO defende que, na oferta de taxa fixa de um crédito, deve haver um indicador de referência (por exemplo, as taxas swap (definidas diariamente pelo mercado) a que o banco acrescentaria o spread.
"Isso traria duas vantagens para o mercado de taxa fixa, a transparência e a concorrência. Os bancos passariam a concorrer neste mercado pelo 'spread'", afirmou Nuno Rico.
Contudo, até agora, disse, não houve qualquer manifestação de interesse nem do Governo nem de algum parlamentar em discutir o tema.
Taxa fixa compensa para os clientes?
Questionado sobre se compensa aos clientes de novo crédito à habitação optarem pela taxa fixa, Nuno Rico afirmou que, de momento, não há vantagens numa taxa fixa a longo prazo. É que esta está a acompanhar as taxas de mercado e, por isso, a taxa fixa a 30 anos facilmente está acima de 5%.
Contudo, recordou que há ofertas de bancos de taxa fixa para os primeiros anos do crédito (até cinco anos) que podem ser interessantes face à incerteza sobre mais aumentos nas taxas de juro.
"Há bancos a oferecer taxa fixa a dois anos a 3%, quando a média da Euribor a 12 anos é 4%", afirmou, alertando, contudo, para que os clientes devem ver cuidadosamente todas as condições, nomeadamente se à taxa fixa acresce o 'spread'.
Em abril, em audição no parlamento, o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, foi questionado sobre a oferta de taxa fixa pelos bancos, tendo considerado importante que os clientes bancários tenham mais possibilidade de escolher, mas referiu também que essa medida poderá ter pouca eficácia quando as taxas variáveis estão próximas de valores máximos e poderá até fazer com que os consumidores fiquem “amarrados” a uma taxa elevada.