Abusos na Igreja Católica

Igreja Católica anuncia medidas após relatório sobre abusos sexuais

A Conferência Episcopal reuniu-se em Fátima para analisar o relatório sobre os abusos sexuais a menores. Era esperado o anúncio de medidas imediatas por parte da hierarquia católica, nomeadamente o afastamento de padres, mas para já nada foi anunciado nesse sentido. A “novidade” foi o memorial na JMJ.

Igreja Católica anuncia medidas após relatório sobre abusos sexuais
PAULO NOVAIS/Lusa
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A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) decidiu, esta sexta-feira, realizar um gesto público de pedido de perdão às vítimas de abuso sexual na Igreja Católica no próximo mês de abril, em Fátima, no decorrer da próxima Assembleia Plenária do episcopado.

Hoje reunidos em Assembleia Plenária extraordinária para analisar o relatório da Comissão Independente para o estudo dos Abusos Sexuais de Menores na Igreja Católica em Portugal, apresentado no dia 13 de fevereiro, a CEP reafirmou, também, o "firme propósito de tudo fazer para que os abusos não se voltem a repetir".

"Como sinal visível deste compromisso, será realizado um memorial no decorrer da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e perpetuado, posteriormente, num espaço exterior da Conferência Episcopal Portuguesa" acrescenta o episcopado em comunicado lido pelo secretário da CEP no final da reunião e em conferência de imprensa, onde esteve também D. José Ornelas Carvalho, presidente da CEP, e o vice-presidente da CEP, D. Virgílio do Nascimento Antunes.

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“É ao encontro das vítimas que (…) queremos ir para que o seu sofrimento não fique calado”, declarou o padre Manuel Barbosa, vincando que “sem vós não teria sido possível chegar ao dia de hoje, Obrigado”. Pedindo, “com dor e novamente, perdão a todas a vítimas sexuais no seio da Igreja Católica”, reiterou “tolerância zero para com abusadores” e reafirmou “o propósito para que os abusos não ser voltem a repetir”.

A “lista hoje entregue ao presidente da CEP, e dirigida às dioceses, terá o devido seguimento segundo as normas canónicas e civis”, revelou Manuel Barbosa, anunciando ainda que haverá um “memorial no decorrer da Jornada Mundial da Juventude (JMJ)” que será “perpetuado no espaço exterior da CEP”.

Porém, e ao contrário do que se esperava, o documento aprovado hoje pela CEP tem poucas medidas concretas para fazer face aos abusos. A CEP garante, apenas, que "o processo de reflexão e discernimento iniciado vai continuar, nomeadamente na próxima reunião do Conselho Permanente e na Assembleia Plenária", em abril. Isso mesmo acabaria por ser confirmado depois por D. José Ornelas.

“Precisamos de dados. Lista que recebemos só tem nomes"

À leitura do comunicado seguiu-se um período de perguntas a D. José Ornelas que, antes de responder quis deixar uma garantia: “Nós não estamos no fim de um processo, mas sim a passar da página do relatório para agora uma atuação concreta”. Mas sobre a possibilidade de afastar alegados padres abusadores não se comprometeu, dizendo que está nas mãos de cada bispo.

O também bispo da diocese de Leiria-Fátima explicou que a lista dos supostos abusadores foi entregue "em envelope sigilado", a cada diocese, ressalvando que o que foi entregue "é uma lista de nomes".

“Uma lista de nomes foi o que nos foi entregue. Sem outra caracterização torna-se difícil, pelo que têm de ser redobrados os esforços na investigação. Primeiro é preciso saber quem são, no processo a seguir seguimos as normas civis e canónicas (…)”, destacou D. José Ornelas, lembrando que a Comissão Independente “não é uma comissão de investigação” mas "sim de estudo".

Pelo que, prosseguiu, “é preciso investigar agora”, lembrando, aliás, que a própria Procuradoria-Geral da República (PGR) reconheceu que as denúncias “darão lugar a poucos processos” é, por isso, preciso “averiguar a verdade dos casos”.

"O que queremos é assegurar o apoio às vítimas (…) é a nossa prioridade", declarou, esclarecendo que "os responsáveis por esse acompanhamento são sempre as dioceses".

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Mas quanto ao afastamento de padre, cujo nome esteja na lista, não serão para já afastados. “A maior parte das vítimas nunca contou a ninguém. E não basta dizer ‘olhe aconteceu isto’ é preciso uma base sólida” para a investigação.

“É preciso encontrar a pessoa justa, quem é", e não basta ter um nome, é também necessário, disse, "um acusador a quem se possa contactar (…). Só com uma lista de nomes, sem outros dados, é difícil”. Enquanto não for provado, persiste "a dúvida", sustentou D. José Ornelas.

“Precisamos de ter dados. E a lista que hoje recebemos só tem nomes, e às vezes só tem um nome. Há [por exemplo] um Albino, claro que temos arquivos e podes ir ver quem são os Albinos que temos”, justificou o presidente da CEP, dando conta das “limitações” que a lista acarreta.

O relatório da Comissão Independente é uma “peça muito importante para entender esta realidade, não só no seio da Igreja mas no país”.

"Vamos analisar nome a nome, se houver outros documentos que nos cheguem para identificar, primeiro, o abusador, e depois o que ele fez de errado, evidentemente tomaremos as medidas devidas", garantiu D. José Ornelas, pressionado pelos jornalistas para dizer o que, afinal, vai fazer com a lista hoje entregue.

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"Eu não posso tirar uma pessoa do ministério só porque chegou alguém que disse 'este senhor abusou de alguém'. Mas quem foi que disse, em que lugar, onde? Tirar do ministério é uma coisa grave", realçou.

Então que medidas em concreto a CEP aprovou hoje? A “reabilitação das pessoas”, “fazer justiça, criando condições para que não se repita”, e “dar um sinal de esperança para que a nível de instituições encontremos parcerias que permitam que as pessoas possam encontrar e ajuda para diferentes situações”.

O convite a Siza Vieira

É “importante num evento como a JMJ ter uma chamada de atenção para tudo isto, uma questão fundamental não só em Portugal mas no mundo. É um tema transversal” e a JMJ é um “local adequado e justo”.

"Vai haver um trabalho em conjunto [com outras instituições] na JMJ para a proteção de menores", e o tema vai ser realçado com um memorial no espaço da Reconciliação, "que achamos o indicado" para o efeito, acrescentou José Ornelas.

O também bispo de Leiria-Fátima confirmou que a ideia da Comissão Independente para a construção de um memorial foi "totalmente aceite", devendo a autoria ser do arquiteto Álvaro Siza Vieira. Após a JMJ, o memorial será “perpetuado num espaço exterior da CEP”.

Os números da Comissão Independente

Recorde-se que o relatório sobre abusos sexuais de crianças na Igreja Católica, validou 512 dos 564 testemunhos recebidos em dez meses, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de vítimas da ordem das 4.815.

25 casos foram reportados ao Ministério Público, que deram origem à abertura de 15 inquéritos, dos quais nove foram já arquivados, permanecendo seis em investigação.

Estes testemunhos referem-se a casos ocorridos no período compreendido entre 1950 e 2022, o espaço temporal que abrangeu o trabalho da comissão.

O sumário do relatório, contudo, revela que "os dados apurados nos arquivos eclesiásticos relativamente à incidência dos abusos sexuais devem ser entendidos como a 'ponta do iceberg'". Esta manhã, a comissão entregou à CEP a lista dos alegados abusadores.