A conferência de imprensa presidida pelo bispo José Ornelas foi para muitos uma mão cheia de nada. Esperava-se o anúncio do afastamento dos padres suspeitos de abusos, mas a Igreja não só não escolheu esse caminho como parece mesmo tê-lo afastado, refugiando-se no que diz ser “uma lista só de nomes”.
A lista, entregue pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa, não tem só nomes, esclareceu desde logo a socióloga Ana Nunes de Almeida na antena da TSF. E, esta terça-feira, foi mais longe nas críticas à resposta dada pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP).

No podcast "Perguntar Não Ofende", do semanário Expresso, a socióloga e membro da Comissão Independente, confessou ter ficado “perplexa” pela negação dos princípios básicos da Igreja, numa conferência de imprensa "muito superficial".
“Aquele final de tarde (…) foi qualquer coisa que me deixou quase sem palavras, sem capacidade de interpretar o que se estava a passar. (…) Uma negação daqueles princípios básicos e dos resultados fundamentais que o relatório trouxe. (…) Não havia um pensamento estratégico, não havia um fio condutor de um raciocínio de dizer: 'isto foi um virar de página, (…) vamos enfrentar o problema com coragem e para isso propomos as seguintes medidas. Ora isso não aconteceu", lamentou Ana Nunes de Almeida.
A dúvida é porquê. “Por falta de trabalho? Porque o problema não suscitou a importância que deveria ou porque no interior da assembleia de bispos não houve consenso sobre medidas a adotar?”, questionou.
Um dos protagonistas, se não mesmo o protagonista, dessa conferência ao final da tarde da última sexta-feira foi precisamente José Ornelas, bispo de Leira-Fátima e presidente da CEP, que para Ana Nunes de Almeida se refugiou de forma “estranha” em termos jurídicos para justificar a falta de ação da Igreja.
“Nestes meses de trabalho, fiquei convencida, e continuo convencida, que o bispo José Ornelas é alguém que defendeu e soube impor o nosso relatório como qualquer coisa de muito importante para Igreja portuguesa. [E] não era um relatório para as pessoas (…) brincarem aos estudos. Ele [José Ornelas] sempre disse: 'este relatório é para ter consequências. Nós pedimos este relatório porque queremos saber a verdade porque sem ela não somos capazes de desenhar uma estratégia", sublinhou a socióloga.

Porém, prosseguiu, “como presidente da CEP, ele pareceu-me numa posição que lhe é estranha. Pareceu desconfortável a usar uma argumentação jurídica, administrativa. Mas onde estão os valores? Não percebo nada de direito nem sei se a noção de encobrimento existe no direito português ou não, mas não é disso que estamos a falar, estamos a falar de uma questão ética, de valores da Igreja que são os valores do Cristianismo”.