“Está nas nossas mãos”, “Neutralidade Carbónica era para ontem”, “Justiça Social = Justiça Climática”.
São várias as faixas espalhadas pelo chão junto à Escola António Arroio, em Lisboa. Um grupo de jovens reúne-se à volta delas e ao megafone ouvem-se cânticos que são repetidos por todos os que ocupam o largo em frente à escola. Começou mais uma sexta-feira de greve às aulas pelo clima.
Dizem que não são “excecionais” e que o fazem porque a “nossa casa está a arder”. Naquele dia eram cerca de 300 jovens, muito menos que nas primeiras greves, principalmente por causa da pandemia.
Maria Mesquita seguia na frente. Participa na Greve Climática Estudantil desde o início, em 2019. Tinha 17 anos quando uma formação em ativismo climático a deixou em alerta sobre o estado do planeta. Teve a certeza que teria de fazer mais, porque o futuro estava em causa. “Sempre soube que queria mudar as coisas”, conta. A veia de ativista talvez a tenha herdado do “tio-avô que fez parte do movimento contra a ditadura e que chegou a estar exilado uns tempos”. Hoje vive “um momento histórico em que caiu uma crise nas nossas mãos” e “alguém a tem de resolver”.
António foi lado a lado com Maria praticamente toda a manifestação. Iam marcando o ritmo na frente. Terminou o secundário no último ano letivo e agora decidiu tirar um “gap year” para se dedicar ao ativismo.
A Greve Climática Estudantil reúne-se todas as segundas-feiras. Do núcleo de Lisboa fazem parte atualmente cerca de 20 pessoas, responsáveis por gerir e organizar as iniciativas na capital.
Quando as reuniões são nacionais decidem-se as narrativas para as manifestações, que são habitualmente globais ou nacionais. Já nas reuniões de núcleo falam sobre logística, outros movimentos a que se podem associar e tomam decisões sobre as ações que vão desenvolver.
Diana Neves e Salomé Rita fazem parte da equipa. São finalistas do curso Ciências da Comunicação. Estudam na mesma faculdade e dizem que têm um currículo idêntico, mas os caminhos até à Greve Climática Estudantil foram diferentes.
Salomé é do Algarve, sempre viveu em Faro até se mudar para Lisboa para estudar. Quando era pequena, na Escola Primária, acreditava que o aquecimento global era culpa da aproximação do Sol à Terra: “Eu queria criar um dispositivo que afastasse o Sol da Terra”, diz. Explica que a questão das alterações climáticas “sempre pairou” sobre ela e “sempre [lhe] causou uma ansiedade”.
Juntou-se ao coletivo da Greve Climática apenas em Lisboa, embora “em Faro tenha participado em muitas das greves”. Acredita que na capital “as iniciativas de ativismo são muito mais fortes”.
Agora com 20 anos, diz que foi na Greve Climática Estudantil que aprendeu a fazer ativismo. Também com a influência de Greta Thunberg percebeu que pode “ter um papel ativo”: “Eu posso organizar estas manifestações. Eu não preciso só de tomar ações individuais, eu posso mobilizar-me socialmente, e isso é uma coisa muito importante que eu percebi na greve”.
Em plena pandemia Diana decide que algo teria de mudar na sua vida. Tal como Salomé não é de Lisboa, mas foi nesta cidade que descobriu a Greve Climática Estudantil.
Até entrar na universidade vivia em Pombal, perto de Leiria, e agora olhando para os últimos anos apercebe-se que a mudança de cidade lhe “tem trazido muito mais do que a experiência da faculdade”. No início de 2021, entre confinamentos e aulas online, Diana sentiu que quando tudo voltasse à normalidade queria também “voltar ao ativo, fazer alguma coisa nova”, e foi aí que surgiu a Greve: “As questões climáticas foram sempre uma coisa que me preocupou. (…) E aqui encontrei uma plataforma onde posso agir nesse aspeto”.
Movimento nasce “muito na narrativa de lutar pelo futuro”
O movimento da Greve Climática Estudantil surgiu em Portugal de uma forma quase espontânea e “pegou com muita força nos estudantes”, recorda Maria Mesquita. Nasceu “muito na narrativa de lutar pelo futuro” e de “para quê ir às aulas se não tenho um?”, acrescenta. Mas também “com o impulso da Greta” que “criou muito alarme mediático e social”, diz Salomé.
“Eu fiquei um bocado assoberbada com o discurso da Greta em que ela diz que nós não devíamos estar aqui, nós devíamos estar nas aulas”, reconhece Diana. “Com o que é que eu me devia estar a preocupar agora? Em acabar o curso, em ter um trabalho”, questionou. No entanto, entende que as “pessoas que estão a cima [dela] e que realmente podem fazer alguma coisa para tornar a vida e o futuro melhores não o estão a fazer” e têm de ser eles a fazê-lo: “Eu não me arrependo. Eu faço-o todos os dias, fazemos todos os dias e com orgulho porque é preciso”.
O que fazem “é expor factos científicos” e não “dar opinião” sobre o que é a ciência: “Já existe um consenso científico, nós estamos a dizer ouçam os cientistas”, explica Maria Mesquita.
“Estamos a viver uma crise climática, a nossa casa está a arder (…). Se vocês não fazem nada, nós vamos sair das aulas e vamos continuar a fazer greves até que de facto comece a haver uma ação concreta, visível e palpável”, diz Maria Mesquita.
Quando se fala em COP, instituições e responsabilidades
Maria frequenta o curso de Estudos Europeus na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em part-time trabalha numa escola, onde toma conta de crianças entre os 10 e os 11 anos. Todo o tempo que lhe sobra é para o ativismo. Aos 19 anos, defende que “as instituições não vão resolver a crise climática, porque se não isso já teria acontecido”.
A crise climática, para Maria, não é tratada como uma crise, porque se “fosse tratada como tal não estaria a haver uma COP neste momento”, alega. “Ela é ineficiente, por isso na prática não vai sair nada concreto que de facto resolva as alterações climáticas”, considera.
“Existe um consenso científico e político há décadas sobre a crise climática e se de facto a enfrentássemos como aquilo que ela é e aquilo que representa, já teríamos alterado tudo para a resolver”, acrescenta.
A palavra COP em Diana despertou uma reação automática: “Mais uma vez não vai sair uma decisão política com ações práticas”. E Salomé esclarece que “fica sempre tudo muito no papel” e mesmo que haja um plano “é um plano estruturado ao sistema que já temos, e o sistema está em rutura”.
“É a 26ª COP e a temperatura continua a aumentar, cada vez há mais catástrofes climáticas, cada vez há mais pessoas a saírem dos seus países para virem para países onde não tenham de sentir esses efeitos de forma tão catastrófica”, alerta Salomé.
Diana defende que nestas cimeiras devia ser dada especial atenção aos países na linha da frente, aqueles “que já estão a sofrer a sério com as alterações climáticas”, porque os países mais desenvolvidos ficam na sua “esfera privilegiada e não se dá atenção a populações inteiras que já estão a precisar de ajuda”. Para Salomé, a responsabilidade destes países é muito maior, porque são os que mais emitem, e como “mais responsáveis” são os que têm de “tomar mais ação”.
Justiça Climática = Justiça Social?
Uma das bandeiras deste movimento é a “justiça climática” que significa “resolver as alterações climáticas, assegurando os direitos básicos do ser humano, que é habitação, alimentação, saúde, energia, educação”.
Salomé admite que “muitas vezes as pessoas pensam que [estão] a lutar por tudo e não [estão] a lutar por nada”, porém acredita que “é impossível lutar contra as alterações climáticas sem pensar em todos estes setores”, porque “a justiça social não consegue estar desligada da justiça climática”.
“Ou seja, se vamos olhar para as alterações climáticas e se vamos ter de fazer uma transição tão grande para mudar a forma como produzimos energia e como nos movemos, vamos também ter de olhar para as questões sociais, que também são gritantes e um problema deste sistema que está a falhar”, diz a estudante.
Antes de fazer parte da Greve, Salomé diz que “sentia que estava a caminhar em direção a um precipício” e agora “com a ajuda de todos os colegas e de todos os ativistas a nível global” acredita que estão a “tentar empurrar as pessoas para fora do precipício”.
Maria defende que “resolver a crise climática não implica resolver todos os problemas sociais, mas de um ponto de vista de justiça climática, tem de ser feito dessa forma”, porque “vai trazer crises económicas, sociais, alimentares, pandémicas”: “E não vamos resolver nenhum dos problemas sem resolver antes a crise climática”.
“Dizer que as alterações climáticas são um problema do futuro, só em si é um problema. São um problema de ontem na realidade”, considera Maria.
Desde que se mudou para Lisboa, Diana diz que investe “muito mais na prática”, que antes ficava-se apenas pela teoria, percebeu também que é necessária “uma mudança estrutural na sociedade para as coisas mudarem a sério”: “Nas empresas, nos políticos, na indústria, na forma como nos deslocamos, na forma como nós vivemos”.
“A maior responsabilidade será sempre a crise climática”
Acreditam que o movimento da Greve Climática Estudantil não irá acabar e consideram fulcral que se vá renovamento. Já várias pessoas passaram por ele e Maria acha que “vai continuar a ter muita força”. E mesmo aqueles que saem desta organização não significa que “vão abandonar o ativismo”, podem “procurar outro espaço onde o possam fazer”, acrescenta.
Para Maria “a maior responsabilidade será sempre a crise climática”, o “maior problema alguma vez enfrentado enquanto humanidade”. Já Diana diz estar “a trabalhar para que no futuro o emprego [que tiver] tenha alguma influência no movimento por justiça climática”.
Salomé acredita que a luta pelo clima “está relacionada com [própria] sobrevivência enquanto pessoa” e por isso não consegue “ter uma vida normal, arranjar um emprego, ser estável se constantemente estiver a pensar que [está] a caminhar para o fim da humanidade”.
Depois de ter passado por outras duas escolas, a manifestação da Greve Climática Estudantil, em Lisboa, terminou na Alameda. Salomé, Diana, Maria, António e cerca de outras três centenas de jovens chegaram e instalaram bandeiras, faixas, cartazes, colunas e megafones no centro do jardim.
Maria Mesquita explica que "existem vários níveis de envolvimento no ativismo, nem toda a gente tem de ser mesmo organizador e trabalhar ativamente", há outras formas de ajudar, "por exemplo começar por participar numa manifestação (…) que acaba por ter bastante impacto". E dá o próprio exemplo: "Eu nunca vou conseguir deixar de me sentir responsável pela crise climática se não estiver a trabalhar ativamente para tentar resolvê-la".
Mas é uma "responsabilidade que não é individual, é uma responsabilidade que é de todos: de jovens, adultos, políticos, trabalhadores. De todos enquanto espécie", ressalva Salomé Rita.
O próximo encontro da Greve Climática Estudantil já está marcado, dia 6 de novembro estão de regresso às ruas.
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