Coronavírus

Exclusivo Online

Crescer em pandemia: “As minhas expectativas eram festas e praxes, isso eu não tive”

Em 2020, milhares de jovens candidataram-se ao ensino superior. Joana Rogado entrou em Marketing e tinha o sonho de integrar a tuna e de viver o “espírito académico”. Devido à covid-19, os momentos de convívio e festas ficaram em suspenso durante mais de um ano.

Loading...

Três anos depois do primeiro caso de covid-19 ser confirmado em Portugal, a SIC Notícias recolheu histórias de crianças e jovens que foram afetados pelo confinamento e pela pandemia. Este é o terceiro e último vídeo da série. Conheça também a história de Nuno Cruz e Jonas Cruz.

Aos 19 anos, Joana Rogado entrou na licenciatura de Marketing, na Escola Superior de Ciências Empresariais do Instituto Politécnico de Setúbal (ISP). Estávamos em 2020, o ano em que a pandemia assolou o mundo e fechou em casa perto de dois milhões de crianças e jovens portugueses. A ida para a faculdade constitui um marco na vida dos estudantes, mas, devido às restrições em vigor na altura, foi muito diferente do esperado e desejado.

A chegada ao ensino superior é tradicionalmente marcada por atividades académicas, praxes e eventos de integração. Do batismo ao traçar da capa, as tradições e o “espírito académico” fazem parte do imaginário dos “caloiros”.

“As minhas expectativas eram festas, praxes, tudo e mais alguma coisa. E isso eu não tive”, conta Joana.

Joana Rogado integrou a tuna no segundo ano do curso.
Filipa Traqueia

Em 2020, o número de alunos que se candidataram à primeira fase do Concurso Nacional de Acesso ao ensino superior foi o mais alto dos 25 anos anteriores: mais de 62 mil alunos sonhavam entrar na faculdade. No início de um novo ano letivo, havia ainda muitas regras em vigor, apesar do confinamento ter sido levantado durante o verão. As aulas, por exemplo, funcionavam em regime misto - em casa e online - o que afetou a “motivação” de Joana.

“Vir à faculdade três dias é completamente diferente do que vir a semana inteira, perde-se o contacto com os professores, com os funcionários, com os amigos. Perde-se tudo, praticamente”, afirma a jovem.

As regras foram levantadas e o ensino presencial voltou a ser a norma. Joana Rogado sublinha que as relações pessoais continuaram a ser difíceis entre os estudantes: apesar de se darem “todos bem”, a jovem afirma que é “difícil criar uma relação” com os colegas.

O percurso confinado até à universidade

A pandemia chegou a Portugal no início de março de 2020, com o confinamento a ser decretado perto de duas semanas depois. Na altura, Joana estava a fazer estágio numa empresa de turismo e preparava-se para os exames nacionais, que serviam de prova de ingresso para o curso que queria: Marketing. A sua casa transformou-se num escritório - onde fazia guiões para turistas e analisava os vinhos das empresas - e, ao mesmo tempo, num local de estudo.

Em abril, o Governo decretou que os exames nacionais para aprovação das disciplinas do ensino secundário seriam cancelados. Os alunos do secundário realizaram apenas as provas que serviriam de ingresso ao ensino superior. Joana inscreveu-se em dois exames: Português e Geografia.

“Foi difícil porque tinha de estudar ao mesmo tempo que estava a fazer estágio online”, lembra. “Foi cansativo, não tinha ajuda. Mas fez-se”

O impacto do confinamento e da pandemia é ainda visível - e não apenas pelas indicações “circule pela direita” que surgem nos autocolantes colados pelos corredores da Escola Superior de Ciências Empresariais. Para Joana, a aprendizagem durante as aulas online foi “difícil” e deixou marcas.

A Real Trovatuna de Setúbal é uma das tunas da Escola Superior de Ciências Empresariais.
Filipa Traqueia

“Online, toda a gente faz o que quer em casa e admito que, muita das vezes, estar ou não estar numa aula online é o mesmo. Agora, quando vimos [à faculdade] temos dificuldade em estar concentrados a ouvir a matéria e a informação toda que nos é dada nas aulas. Não estamos habituados, digamos assim.”

O regresso à “normalidade” só chegou quando Joana estava no segundo ano do curso. Apesar do medo associado à covid-19, o regresso ao ensino presencial e o retorno das atividades académicas foi com “uma lufada de ar fresco”.

“Estivemos praticamente um ano e meio parados e, só depois voltámos ao normal”, lembra. “Finalmente estamos aqui todos juntos, apesar de estarmos um bocadinho apreensivos.”

Um sonho que foi atrasado: a tuna académica

Com duas pandeiretas de fitas verdes e pretas - as cores da faculdade - na mão, Joana prepara-se para mais um ensaio da Real Trovantuna de Setúbal. A música que enche o auditório contrasta com o silêncio da faculdade à noite. A jovem desce do palco e coloca-se em posição para dar início à coreografia da música “Sobe e Desce”. Atrás, as colegas começam a cantar:

“Vim de longe com a ideia que a vida é uma canção,

Que a vida de estudante é só boémia e festa e muita diversão,

Ao entrar na faculdade, baldei-me sem pensar

E no final do semestre é que a coisa apertou, vi-me grega para passar”.

Ensaio da Real Trovatuna de Setúbal.
Filipa Traqueia

As tunas são uma parte integrante do “espírito académico”. Para Joana, integrar a tuna era um sonho antigo, que foi atrasado devido à pandemia - só conseguiu entrar na Real Trovantuna de Setúbal no segundo ano.

“Entrar na tuna sempre foi algo que eu quis, que sempre idealizei, qualquer que fosse faculdade em que eu entrasse. Como entrei em pleno covid-19, com tudo parado, não consegui entrar no primeiro ano. Finamente estou naquilo que eu gosto”, partilha com um sorriso.

Os ensaios da tuna, os convívios e as atuações trouxeram-lhe uma novo ânimo e permitiram a Joana “recuperar” o que perdeu durante o primeiro ano do curso.

"Agora que estou na tuna, sinto mais o espírito académico. Mas há muita gente que ainda sente que está a perder o espírito académico, por não ter convívios, por não ter ligação com muita gente do curso”, explica.

Quando questionada se sente que a pandemia a fez perder uma parte da experiência de ser jovem, Joana tem dúvidas e opta por responder "sim e não”.

“Sinto que perdi um bocadinho do viver a adolescência e da entrada para a faculdade, mas, por outro lado, sinto que também fiz tudo o que podia e o que me permitiram fazer.”