Esquecidos

"O meu filho teve febre e o corpo a tremer durante dois meses"

O Hospital Regional Mazar-i-Sharif é o único centro de referência em toda a província de Balkh, no Afeganistão, e serve também regiões vizinhas. Em agosto de 2023, as equipas da Médicos Sem Fronteiras começaram a apoiar as atividades de pediatria na instalação, em parceria com o Ministério da Saúde.

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O apoio financeiro e material às instalações de saúde públicas é uma miragem no Afeganistão. Os hospitais que fornecem serviços especializados, como o Hospital Regional Mazar-i-Sharif, sentem particularmente essa falta de assistência e lutam para conseguir cobrir os custos essenciais: salários, medicamentos, provisões médicas, combustível e até mesmo oxigénio.

Atualmente, a Médicos Sem Fronteiras (MSF) administra a unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN) e a sala de emergências do Mazar-i-Sharif para crianças até 15 anos.

É precisamente nessas atividades de apoio que a MSF tem testemunhado as grandes lacunas por preencher, em termos financeiros e de material médico, que afetam continuamente a capacidade dos profissionais prestarem cuidados aos pacientes.

Devido à falta de instalações médicas funcionais, torna-se comum ter de percorrer longas distâncias para aceder a cuidados de saúde, que, muitas vezes, só são encontrados em hospitais terciários – como Mazar-i-Sharif – que sofrem já de inadequações sistemáticas.

Atualmente, um dos principais desafios que as equipas da MSF enfrentam em Mazar-i-Sharif é o elevado número de pacientes. A capacidade da enfermaria neonatal, por exemplo, foi recentemente aumentada de 65 para 100 camas. No entanto, há períodos em que a taxa de ocupação do espaço é superior a 200 por cento, ou seja, em que cada cada cama tem mais do que um paciente.

As equipas da organização médica-humanitária recebem frequentemente crianças em estado muito grave: algumas morrem à chegada ao hospital, ou porque foram trazidas demasiado tarde, ou porque a viagem para as trazer foi demasiado longa.

Masoma, 25

Masoma, 25 anos, tem dois filhos e vive em Ali Abad, distrito 12 de Mazar-i-Sharif, a uma hora do Hospital Regional. Asma, a filha mais nova, nasceu prematuramente e está a receber tratamento na ala de prematuros da instalação.

"A Asma nasceu por cesariana aos oito meses e meio. Está estável agora, mas continua a pesar menos do que devia.

Temos uma clínica perto de casa, mas não fornecem todos os serviços, nomeadamente partos por cesariana.

O nosso distrito não tem uma unidade de saúde especializada, com serviços adequados. Se alguém adoecer de madrugada, não receberá tratamento. Estava com imensas dores à noite e tive de recorrer a uma clínica privada às 3h da manhã.

O meu primeiro bebé também nasceu por cesariana e, desta vez, ao chegar à clínica, descobriram que os pontos da primeira cirurgia se tinham rasgado internamente. A cabeça do meu filho estava já visível e necessitei logo de uma cirurgia.

Custou-me 15 000 Afghani [equivalente a 197 euros] e o meu marido teve de pedir dinheiro emprestado, porque não tinha meios para chegar ao hospital regional e tive de ser submetida a uma cesariana numa clínica privada."

Parwen, 33

Parwen, 33 anos, viajou 3 horas para dar à luz o filho no Hospital Regional Mazar-i-Sharif. Vive no distrito de Chahar Kint e percorreu o caminho grávida, com o filho de 7 anos, Shafiqullah, que também necessitava de receber tratamento. Há já dois meses que vivia com febre e tremores corporais constantes.

“O nosso distrito fica longe da cidade de Mazar-i-Sharif, e demoramos cerca de 3 horas para lá chegar, devido ao mau estado do piso das estradas.

O meu filho teve febre e o corpo a tremer durante dois meses. As pernas dele já estavam a ficar fracas. Não o levámos logo ao médico, porque vivemos nas montanhas e não tínhamos dinheiro para o levar até ao hospital. Também não conseguíamos encontrar um carro para trazê-lo.

Quando o levámos à clínica mais próxima, deram-lhe medicamentos, mas não melhorou. Eu também estava com dores de parto e disseram-me para voltar quatro horas depois para dar à luz.

Mesmo essa clínica fica muito longe de nós: viajámos até lá de burro, o que demorou 3 horas.

Como se estava a aproximar a data do parto e eu não tinha ninguém para me apoiar, vim para casa da minha mãe na cidade de Mazar-i-Sharif e trouxe o meu filho doente, para também receber tratamento.”

Rahima, 20 anos

Rahima vive no distrito de Faiz Abad, na província de Jawzjan, e também viajou três horas para conseguir chegar ao Hospital Regional Mazar-i-Sharif. O filho, Ahmad Khalid, tem 5 meses e enfrenta desnutrição desde o nascimento. Está agora a receber tratamento na UTIN do hospital, onde a MSF presta apoio, mas o estado de Ahmad continua a piorar a cada dia que passa.

“Viemos de Haider Abad, uma aldeia no distrito de Faiz Abad, na província de Jawzjan. Demorámos cerca de três horas para chegar até aqui.

O meu filho já está doente há muito tempo. No início, quando adoeceu, levámo-lo a uma clínica no distrito vizinho de Faiz Abad. Ficou lá internado, mas não melhorou e levámo-lo para outro sítio.

Esteve em Sheberghan [capital da província de Jawzjan] e em Cabul a receber tratamento. O médico de Cabul disse-nos que estava desnutrido e que precisava mesmo de ser internado num hospital.

Então, decidimos trazê-lo de volta à clínica inicial, onde esteve 45 dias a receber tratamento na ala de desnutrição. Depois, contraiu sarampo e o médico da clínica encaminhou-nos para o Hospital Provincial de Sheberghan.

A condição dele só se deteriorava, e era incapaz de respirar normalmente, então decidimos finalmente trazê-lo para o Hospital Regional Mazar-i-Sharif.

Estamos aqui desde ontem, e o médico diz que o estado dele não é nada bom. Está constantemente a receber oxigénio, caso contrário a pele dele começa a ficar mais escura.

Está muito doente. Há cinco meses que começamos a levá-lo a clínicas diferentes, mas não mostra sinais de melhoria."