Um dos fuzileiros ucranianos que combateu no cerco a Mariupol falou com a SIC e contou o que viveu depois de ser capturado pelas forças russas. Esteve durante dois anos e meio como prisioneiro, diz que foi torturado e forçado a cantar o hino da Federação Russa. Tentaram convencê-lo a aceitar a cidadania russa, mas nunca cedeu. É um testemunho raro sobre as condições a que estão sujeitos os militares ucranianos feitos prisioneiros.
Foi feito prisioneiro pela Rússia durante quase dois anos e meio. Para ele, a contagem foi feita de forma diferente. 895 dias. Contou cada dia.
Nesse período, mudou de prisão oito vezes. Começou no Donbass e a última foi perto de Moscovo.
"O mais assustador quando entras numa nova prisão é o processo de entrada, porque, durante esse processo, eles estão autorizados a torturar alguns até à morte. Para mostrar quem manda ali", relata Volodymyr Ivanov, fuzileiro ucraniano.
Conta que as agressões na prisão eram praticamente diárias e às vezes mais do que uma vez por dia.
"Eles divertiam-se com a nossa dor. Eles dizem sempre: 'Merecem porque mataram militares nossos'. E nós respondíamos: 'Nós só nos defendemos'".
Fazia parte de uma das brigadas que lutou durante o cerco a Mariupol. Andou a combater e escondido nos túneis de um complexo industrial, ao mesmo tempo que outros colegas lutavam na metalurgia Azovstal.
A Rússia queria dominar a cidade a todo o custo para assegurar ligação terrestre entre a Crimeia e território russo.
Desde março de 2022, viveram cercados por ataques constantes. A cidade caiu em maio desse ano.
Volodymyr foi capturado pelo exército russo em abril. Estava gravemente ferido e não conseguiu fugir. Conta que quando foi apanhado tinha estilhaços espetados na cabeça, que só foram retirados quando voltou à Ucrânia, dois anos e meio depois.
"Fui ferido duas vezes e não me fizeram qualquer tratamento. Simplesmente não me fizeram nada. Disseram apenas: 'Preferimos tratar um cão a tratar-te'."
No espaço de dois anos, perdeu perto de 30 quilos. Diz que chegou a estar sete dias sem comer e a ser alvo de torturas.
"A tortura mais comum era com choques elétricos e com cães furiosos a morderem-nos. Mas também era comum choques elétricos na cabeça, nas costas, nos genitais e na coluna."
A mulher esteve mais de 1 ano sem saber se Volodymyr estava vivo ou morto. Soube através de um prisioneiro que tinha estado com ele numa das prisões.
O marido foi libertado a 13 de setembro do ano passado. Pode vê-lo logo no dia seguinte, apesar dos ferimentos graves que trazia.
Esteve em risco de ser amputado. Está a fazer tratamento de reabilitação, em lviv, a 800 quilómetros da cidade onde vive. Passa apenas um mês e meio em casa. O resto do tempo tem passado em hospitais e clínicas.
Ainda deve continuar mais algum tempo a fazer terapia e reabilitação, mas a expectativa é que ainda este ano possa voltar a tempo inteiro para perto da família.
A mulher decidiu entretanto alistar-se no exército. Diz que quer lutar pelo país para que não tenham de ser os filhos a fazê-lo.