Jornada Mundial da Juventude

De Sydney ao Rio de Janeiro: para Ondina, “as JMJ são muito mais do que ver o Papa”

Ver o pôr do sol a mais de 300 metros ou passear pela favela. Ondina Matos participou em seis edições da Jornada Mundial da Juventude e conta algumas das aventuras que viveu durante os eventos - e também à margem deles.

De Sydney ao Rio de Janeiro: para Ondina, “as JMJ são muito mais do que ver o Papa”
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Ondina Matos tinha 25 anos quando foi desafiada pelo padre da paróquia de Esgueira, em Aveiro, a participar numa Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Nunca tinha ouvido falar deste evento religioso, não sabia em que consistia, mas aceitou o desafio.

Em 2000, Ondina foi um dos dois milhões de jovens que “invadiu” a cidade de Roma. Em Colónia (2005), voltou a participar numa Jornada, desta vez já como parte da equipa organizadora pela diocese de Aveiro. Seguiram-se Sydney (2008), Madrid (2011), Rio de Janeiro (2013) e Cracóvia (2016). Somam-se as experiências e as memórias.

Cada uma das edições deixou uma marca diferente: da “energia inesquecível” do Papa João Paulo II ao sorriso de Bento XVI, do “mais fantástico” pôr do sol visto do alto da Torre de Sydney e à visita na Favela do Alemão, no Rio de Janeiro, das dificuldades logísticas em Cracóvia à possibilidade de cumprir um sonho da irmã Maria Armanda - a religiosa participou, pela primeira vez, numa JMJ aos 78 anos.

“A JMJ são muito mais do que um encontro com o Papa”, garante.

Com a realização da JMJ em Portugal, Ondina voltou a integrar o Comité Organizador Diocesano de Aveiro (COD), tendo ficado responsável pela chegada e estadia dos peregrinos estrangeiros às paróquias do distrito. Vai também estar em Lisboa, com o maior grupo de jovens que a diocese alguma vez juntou.

A primeira jornada: um “mar de gente” em festa

O desafio lançado pelo pároco de Esgueira, em 1999, convenceu 16 jovens a embarcar numa viagem até Roma onde, no ano seguinte, decorria uma edição especial da JMJ – a do Jubileu. Durante um ano, o grupo participou em várias iniciativas de preparação, organizadas pela diocese e pela paróquia. Em agosto de 2000, os peregrinos partiram para Itália, de mochila às costas.

“Fomo-nos apercebendo o que poderia ser a jornada e o que nos esperava, mas chegar à pré-jornada ou à jornada, propriamente dita, é completamente diferente de tudo o que possamos imaginar”, conta Ondina.

Grupo de jovens da diocese de Aveiro que participou nas JMJ de Roma.
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Depois de terem sido “tratados como príncipes” numa paróquia na Riviera Italiana, o grupo rumou à capital. Para Ondina, o primeiro impacto aconteceu na missa de abertura, quando se viram rodeados por um “mar de gente”, com “bandeiras de todos os países e a cantar em todas as línguas”.

“Nós não conseguimos chegar à Praça de São Pedro, ficámos numa das transversais onde havia ecrãs gigantes a transmitir a celebração. A imagem que tenho é do caminho: em todas as ruas que convergiam para a praça, a multidão ia aumentando. Parecia que nascia gente de todos os lados.”

O pôr do sol em Sydney, a missa no Cristo Redentor e a visita à favela do Alemão

Além da componente religiosa, as JMJ permitem aos jovens conhecer diferentes países, culturas e tradições. São muitas as histórias que Ondina tem para contar – como o dia em que se perderam a chegar à missa de abertura, em Colónia, ou quando um elemento do grupo adormeceu no comboio, em Cracóvia, e acabou noutra cidade, ou até a tempestade durante vigília, em Madrid. Mas há uma mão cheia de momentos que Ondina destaca como “os mais marcantes”. Um deles ocorreu em Sydney.

“A Jornada de Sydney foi vivida de uma forma completamente diferente. Fomos sem responsabilidade nenhuma. Eu era novamente uma participante, mas já com um background de conhecimento – já não ia à procura de tudo, como em Roma.”

O grupo de portugueses era mais pequeno que nas restantes edições, em parte devido aos elevados custos que esta edição representava. Aproveitando para conhecer os pontos turísticos, os portugueses decidiram visitar a Torre de Sydney. Ao verem a multidão a agrupar-se na margem do rio para ver o Papa Bento XVI a chegar, colocaram uma questão: “E se ficássemos aqui?”

Pôr do sol em Sydney: o grupo de portugueses optou por ver a chegada do papa Bento XVI a partir da Torre de Sydney, a 300 metros de altitude.
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“Foi uma opção de quem já sabia o que era uma JMJ, a nossa vontade não era ir a correr para ver o Papa. Conseguimos ver a chegada pelas janelas da torre panorâmica e pela televisão. O sol começava a pôr-se no rio – porque, em Sydney, as JMJ foram no inverno – e assisti a um dos pores do sol mais fantástico e magnífico que vi até hoje.”

Do outro lado do mundo, no Rio de Janeiro, a experiência teve uma dimensão diferente. Na cidade Carioca, o grupo de portugueses foi convidado a visitar o Morro do Alemão – um dos maiores complexos de favelas da região.

“Fomos com o padre da paróquia que nos estava a acolher, que também fazia trabalho no Morro do Alemão. Impressionou-me imenso chegar e ver uma igreja com muros de arame farpado. Mas também vimos o outro lado da moeda: gente de coração aberto, que nos recebeu, que preparou almoço para nós, que nos adotou praticamente como filhos durante aquele dia e nos fez uma visita à favela, como se fossemos familiares.”

Enquanto faziam a viagem no teleférico, os peregrinos portugueses chegaram a ver situações de tráfico de droga e um tiroteio. Ondina destaca o que lhe disseram os habitantes do Morro do Alemão: “Na favela há gente má, mas também há gente muito boa.

Grupo de Ondina pernoitou na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro.
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A subida ao Cristo Redentor foi também importante para o grupo, que levava uma imagem de Nossa Senhora de Fátima Peregrina para oferecer ao santuário. Com o Rio de Janeiro aos pés, o grupo decidiu celebrar uma missa, o que foi “muito significativo para nós, portugueses”. A vigília na praia de Copacabana, com o Papa Francisco, foi também um momento marcante.

De João Paulo II a Francisco, com uma “grande surpresa” pelo meio

A primeira JMJ em que Ondina participou foi a penúltima a ser presidida pelo Papa João Paulo II, o criador deste evento religioso. O Sumo Pontífice esteve ainda em Toronto (2002), mas faleceu em abril de 2005, poucos meses antes da edição em Colónia, Alemanha. Ondina irá manter para sempre na memória a energia do Papa João Paulo II, durante a vigília da noite.

“Lembro-me perfeitamente da imagem do Papa João Paulo II na vigília, sentado na cadeira, com uma saúde visivelmente frágil, mas sem deixar de bater palmas e de querer quase dançar. Passou uma energia aos jovens que é absolutamente inesquecível”, conta.

O legado de João Paulo II passava para Bento XVI, que se estreou em eventos públicos, precisamente, na JMJ de Colónia: “Estávamos todos muito expectantes, porque o Papa Bento XVI não era uma pessoa cuja imagem fosse ‘vendida’ como a mais simpática e acolhedora para os jovens”, refere. Mas o novo Papa tornou-se “a grande surpresa da JMJ de Colónia".

“Foi o homem do sorriso, esteve muito próximo dos jovens e surpreendeu-nos a todos ao chegar de barco, no rio Reno, a acenar aos jovens que estavam na margem do rio.”

Chegada do Papa Bento XVI à cidade de Colónia durante as JMJ de 2005. O "sorriso" do Papa surpreendeu os jovens que participaram neste evento.
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A proximidade entre o Sumo Pontífice e os jovens voltou a surpreender nas JMJ de Madrid, quando uma tempestade se abateu sobre a capital espanhola, durante a vigília da noite. Durante vários minutos, uma chuva torrencial obrigou a que o Papa fosse retirado do altar-palco. Mas Bento XVI regressou – mesmo contra as indicações da organização – para partilhar o momento com os milhões de pessoas que lá estavam.

“Ele disse-nos mesmo isto: ‘Não queriam que eu voltasse, mas eu voltei e agora podemos dizer que vivemos esta aventura juntos.’ Foram as palavras marcantes do Papa Bento XVI, que se tornou muito próximo dos jovens.”

Grupo de Portugal durante a peregrinação nas JMJ de Colónia (2005)
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Em 2011, foi já o Papa Francisco quem presidiu à JMJ do Rio de Janeiro. A diferença de popularidade entre os dois líderes da Igreja Católica é incontestável, mas, para Ondina “a JMJ existe muito além do Papa, seja ele qual for”.

“Se olharmos para o programa da semana da jornada, os momentos do Papa com os jovens são uma ínfima parte. O Papa tem quatro momentos com o jovem na semana inteira", afirma.

Ondina não teve encontros pessoais com nenhum dos três Papas – o mais perto que esteve foi do Papa Francisco, depois de ter esperado cinco horas para o ver passar. No entanto, lembra as mensagens que cada um transmitiu aos jovens durante o evento, sentindo-se sempre em comunhão com todos.

“Estar com o Papa é muito fugaz, é muito relativo. O mais próximo que estive do Papa Francisco foi no Rio de Janeiro, onde estive cinco horas perto de um gradeamento onde ele ia passar. Ele passou no papamóvel e, no momento em que ia passar à nossa frente, virou-se e cumprimentou as pessoas do outro lado"

Próxima paragem Lisboa: o que esperar?

A poucos dias do início das JMJ em Lisboa, ultimam-se os preparativos para a primeira edição portuguesa. Uma das responsabilidades de Ondina é distribuir os vários peregrinos que vêm do estrangeiro pelas diferentes casas de acolhimento no distrito de Aveiro. As questões logísticas são um fator importante num evento desta magnitude, mas a responsável lembra que o “caos” e as "dificuldades vão existir sempre”.

No Rio de Janeiro, houve momentos em que não havia água para tomar banho, em Cracóvia, o principal problema foi os transportes. Ondina conta que, na edição de 2016, houve uma noite em que os peregrinos não conseguiram jantar e o grupo juntou toda a comida que tinha nas mochilas para que ninguém passasse fome.

“A verdade é que correu tão bem que aquela mesa esteve posta a semana inteira e o pessoal ia repondo o stock. Foi um espírito muito bonito de partilha”, lembra.

De um lado, os locais de dormida dos jovens; do outro um exemplo dos kits de alimentação que eram distribuídos durante o evento.
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As dificuldades que se anteveem para Lisboa não assustam Ondina, que manifesta uma expectativa “muito alta” para o evento. A responsável pelo COD lembra que, “num evento desta envergadura”, com mais de um milhão de participantes, “não há logística perfeita”.

“Para nós, não é de estranhar que hajam constrangimentos. Esperemos que sejam constrangimentos com os quais consigamos lidar dentro do contexto de JMJ. Em relação aos avisos de greve, eu acho que tem de haver um bocadinho de bom senso”, afirma, sublinhando ser “absolutamente defensora do direto à greve”.

Ondina manifesta-se chocada quando pré-avisos de greve em áreas profissionais “que põe em causa a segurança" da JMJ. “É colocar em risco a segurança de todos. Isso não pode acontecer numa JMJ, que é um evento religioso, como em outro evento desportivo”.