Jornada Mundial da Juventude

Ser voluntário na JMJ: uma "missão" que conquistou milhares

Mais de 22 mil pessoas vão vestir a camisola de voluntário para ajudar a “construir” a Jornada Mundial da Juventude em Lisboa. Há quem venha de fora, quem ajude na paróquia e também quem tenha atravessado fronteiras. Alguns vão ter funções durante a semana da jornada, outros já doam o seu tempo desde o início.

Ser voluntário na JMJ: uma "missão" que conquistou milhares
MANUEL DE ALMEIDA

Marta Pereira queria ser voluntária desde que participou na Jornada Mundial da Juventude de Madrid, em 2011. Na altura, com 21 anos, disse aos amigos: “Se houver uma JMJ em Portugal, e se eu ainda tiver idade para poder fazê-lo, quero ser voluntária.”

Professora de português e espanhol em Portimão, Marta decidiu colocar os seus conhecimentos de línguas para ajudar os peregrinos que vêm a Lisboa no maior evento religioso do mundo. Preencheu a inscrição em novembro e ficou “muito feliz” por fazer parte desta “missão” e “contribuir para a Igreja” em que acredita.

“Inscrevi-me para ser voluntária porque penso que o serviço é o que movimenta o mundo”, conta. “Fiquei muito feliz. Sabia que seria a oportunidade de dar um pouco de mim às pessoas que se cruzassem comigo nas JMJ.”

Mais de 32 mil pessoas iniciaram a inscrição para ser voluntário na JMJ de Lisboa, tendo 22 mil completado o processo, segundo dados divulgados pela organização no final de junho.

Nas paróquias há grupos de voluntários que se organizam para prestar apoio aos jovens que vêm participar nos Dias da Diocese - também conhecidos como pré-jornada. Em Setúbal, os voluntários já estão a preparar os kits que serão distribuídos aos peregrinos no início da JMJ.

Voluntários preparam 500 mil kits de peregrinos para a JMJ em Setúbal
MANUEL DE ALMEIDA

Mafalda Moncada, de 23 anos, é chefe de equipa e também já está a preparar um dos momentos que antecede a JMJ. O “Gesto Missionário" pretende levar à jornada pessoas que, por diversas razões, não poderão participar presencialmente no evento. Vários grupos de voluntários - incluindo o de Mafalda - vão visitar cerca de 600 instituições para conhecer as pessoas e "trazê-las" até à JMJ.

“O ‘Gesto Missionário’ vai levar a JMJ às pessoas e trazer as pessoas à JMJ. Muitas pessoas não podem participar na jornada por estar em hospitais, lares ou centros de reabilitação para toxicodependentes. Durante o evento, os voluntários vão usar uma pulseira com o nome da pessoa que visitaram na instituição", explica Mafalda.

Para a jovem, que está a terminar o mestrado em biologia, vestir a camisola de voluntária permite-lhe ser “o outro lado da moeda” e colocar-se “numa posição de serviço e acolhimento”. Sabe que as suas funções vão estar ligadas à comunicação, mas conta que haja muita coisa “inesperada” durante o evento.

“Eu vou fazer o que sou chamada a fazer com a maior alegria possível. É um encontro com o inesperado e essa é a parte mais gira do evento: poder encontrar coisas que nunca na vida pensava que ia encontrar.”

Voluntários de todas as idades

Entre os voluntários há quem seja veterano em JMJ e quem se estreie este ano no evento. Isabel Von Holst, 19 anos, nunca participou numa jornada, mas, desde que foi anunciado que o evento seria em Lisboa, que soube que iria ser voluntária. Inscreveu-se para poder "ajudar os outros”, algo que, sublinha, faz parte da vivência cristã.

Mesmo sem saber qual a função que vai desempenhar durante a semana do evento, Isabel acredita que o serviço a que se dispôs pode colocá-la mais perto do Papa Francisco.

“Acho que, como voluntária, vou ter a possibilidade de estar mais perto do Papa durante a missa de voluntários”, conta a jovem.

Em contraste, José Seabra Duque, de 37 anos, diz já “não ser jovem”, mas aceitou o “pedido” do Papa para ajudar a “construir” este evento. Participou nas JMJ de Colónia e de Madrid e agora, quer dar aos mais novos a possibilidade de viver esta experiência, que tanto o marcou.

“Ser voluntário é pôr-me ao serviço”, afirma, manifestando-se disponível para fazer qualquer tarefa, mesmo que fosse “varrer as ruas”.

Voluntários preparam 500 mil kits de peregrinos para a JMJ em Setúbal.
MANUEL DE ALMEIDA

Trabalhos diferentes para uma “missão” comum

O sentido de “missão” acompanha o discurso dos voluntários. Para Marta é uma “junção entre o espiritual e o humano”, onde poderá colocar a vertente profissional ao serviço dos outros. José afirma que “construir as JMJ é uma missão clara” e uma “ocasião de dar testemunho de Cristo a centenas de milhares de jovens”.

Para poderem cumprir esta “missão”, todos os voluntários tiveram de fazer formação. Numa primeira fase, a formação foi online e com módulos gerais a todos os que se inscreviam. Mas, à medida que as funções foram atribuídas, os ensinamentos tornaram-se mais especializados, com reuniões também presenciais.

José já sabe que vai acompanhar os bispos nas deslocações por Lisboa. Mafalda irá estar responsável pela comunicação e Marta, por outro lado, vai prestar apoio aos peregrinos.

“Todos os voluntários que vão trabalhar na JMJ tiveram de fazer obrigatoriamente esta formação online e terão de fazer uma presencial. Estamos a falar de milhares de pormenores logísticos”, sublinha José.

O processo de formação culmina na semana antes da JMJ em si, em que os voluntários se juntam em Lisboa para os últimos preparativos. Para quem não pode estar presente nessa semana – como é o caso de Marta – há um dia de encontro, específicos para terminar a formação.

Os voluntários que se ofereceram para ajudar à realização da JMJ têm as mais diferentes valências e especialidades e contextos. Desde juristas (como José) a professores (como Marta), de médicos a polícias, de estudantes (como Isabel e Mafalda) a reformados. Vêm de todos os pontos do país e de 143 países estrangeiros.

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As JMJ também serão um sucesso porque há muita gente das forças de segurança e profissionais de saúde que ofereceram a sua disponibilidade para vir ajudar. O resto do trabalho é feito por milhares de voluntários”, afirma José.

Preparar o evento é também um trabalho de voluntários

O voluntariado de Margarida Gil começou em 2019, quando foi convidada para integrar a equipa que desenha e prepara o departamento de saúde na JMJ. A vontade de “dar mais” e de “pôr ao serviço” os seus conhecimentos profissionais de medicina, saúde pública e enfermagem levaram-na a aceitar este desafio.

“Foi um gosto pessoal por novos desafios que me fez aceitar a proposta. Foi também um gosto particular, por ser a JMJ, por estar ligada à igreja e por ser um convite que o Papa nos faz para promover este encontro de jovens com Cristo."

No início, o projeto era feito “nos tempos livres”, mas com o aproximar da jornada foi preciso dar mais tempo à causa e aumentar a equipa, que é, maioritariamente, composta por voluntários. Investigaram as organizações anteriores, estudaram a resposta a dar em eventos com grandes multidões e, numa fase posterior, recrutaram voluntários para atuar durante a semana.

“Tínhamos de recrutar os nossos próprios voluntários em saúde, saber que tipo de perfil queríamos e como nos íamos organizar em termos de prestação de cuidados de saúde. Sempre com noção que iríamos ter de nos articular com as estruturas do nosso Serviço Nacional de Saúde, porque é impossível ser só a organização, num evento desta magnitude, a fazer tudo de forma autónoma”, explica Margarida.

Simulacro de grande acidente durante a JMJ no hospital de São José, em Lisboa.
ANTÓNIO COTRIM

A organização juntou cerca de 900 profissionais de saúde, entre os quais 300 médicos e 400 enfermeiros. Há também fisioterapeutas, farmacêuticos, socorristas e psicólogos – que, além de terem ajudado as equipas da organização durante todo o processo, vão também promover a saúde mental na “Zona de Calma”.

“Muitos dos voluntários vão estar a trabalhar ao mesmo tempo. Alguns deles vão fazer manhã ao hospital e tarde à JMJ. Isto é um esforço acrescido, ainda por cima numa semana em que a mobilidade na cidade vai estar muito comprometida”, destaca Margarida, agradecendo a “disponibilidade aos nossos voluntários que vão estar a fazer este esforço para conseguirem dar resposta à prestação de cuidados de saúde no decorrer da jornada.”

Pagar para ser voluntário? “Há custos envolvidos”

Para ser voluntário na JMJ de Lisboa, é necessário fazer uma “contribuição” que pode ir desde os 30 aos 145 euros. A organização do evento sublinha que “a JMJ é construída com a generosidade de todos” e que o valor da inscrição está relacionado com os “custos envolvidos na gestão”. Os diferentes pacotes podem incluir alojamento, alimentação, transporte, seguro e também o kit de voluntários.

A questão gerou polémica e muitas críticas se levantaram contra o modelo adotado pelas organização da JMJ. Nas redes sociais criticou-se a necessidade dos voluntários – que já ofereciam o seu tempo para ajudar no evento – terem de pagar para o poder fazer. Houve quem chegasse a colocar em causa a legalidade deste pagamento.

Para os voluntários contactados pela SIC Notícias, o pagamento do pacote não causa espanto. Reconhecem que a sua participação como voluntários tem custos e, por isso, faz sentido contribuírem com um valor monetário.

“Eu não estou a pagar para trabalhar, eu estou a construir a JMJ”, afirma José, que, por viver em Lisboa, adquiriu o pacote mais básico. “Ofereço o meu trabalho para construir uma coisa que é minha. Para lá estar há custos e eu não tenho problema nenhum em pagar esses custos”, acrescenta.

Também Marta, que adquiriu o pacote que inclui refeições e alojamento, compreende que haja necessidade de realizar um pagamento, porque “há vários custos associados à ação dos voluntários” que “não se podem ignorar”.

Voluntários preparam 500 mil kits de peregrinos para as JMJ em Setúbal
MANUEL DE ALMEIDA

Ambos destacam o “espírito de missão” associado ao evento, sublinhando que outras atividades regulares da igreja católica também são em regime de voluntariado.

“No seio da igreja, nós somos essencialmente todos voluntários na missão”, afirma Marta, que além de voluntária na JMJ faz também parte do coro da paróquia onde vive e também já foi catequista.

Inicialmente, Isabel não percebia bem a razão do pagamento, mas, depois de lhe explicarem, passou a concordar com esta contribuição. Além das refeições e do alojamento, a voluntária destaca que o pagamento do seguro é uma forma de “proteger os voluntários”.

“O preço que temos a pagar é o seguro, o alojamento e a comida que a sede de Lisboa nos oferece. Não estamos a pagar para fazer voluntariado, é para participar na JMJ. É diferente.”

Margarida, que faz parte da organização do evento, reconhece que o tema foi “sensível desde o início”, mas sublinha que é necessário “compreender as razões para este donativo que é pedido”, nomeadamente os custos logísticos.

“Não é o pagar para trabalhar, porque, no fundo, o trabalho que vou fazer é de forma voluntária e sem esperar algo em troca. É um contributo para ter algumas facilidades logísticas que são exigentes numa organização desta dimensão”, explica a subcoordenadora.

Além disso, Margarida garante que este pagamento não foi um impedimento para a inscrição de voluntários. Caso a pessoa não tivesse possibilidades de adquirir um pacote, poderia expor a situação à organização da JMJ e o valor de pagamento seria retirado.