Tiago Correia

Comentador SIC Notícias

Papa Francisco

A saúde no pontificado de Francisco

Opinião de Tiago Correia. A ligação do Papa à saúde planetária, enquanto equilíbrio entre bem-estar humano, animal e natural, está presente, desde logo, pelo nome que escolheu em tributo a São Francisco de Assis, o santo padroeiro da ecologia.
A saúde no pontificado de Francisco
GUGLIELMO MANGIAPANE

O Papa Francisco merece ser lembrado também pelo seu contributo à saúde numa perspetiva de bem-estar físico, mental e social. Este é o argumento de Sima Barmania, médica especializada em saúde global, e Michael Reiss, jornalista e sacerdote anglicano, que encontram três grandes áreas de atuação no pontificado de Francisco: saúde planetária, contraceção e direitos homossexuais.

Saúde planetária

A ligação do Papa à saúde planetária, enquanto equilíbrio entre bem-estar humano, animal e natural, está presente, desde logo, pelo nome que escolheu em tributo a São Francisco de Assis, o santo padroeiro da ecologia.

Em 2015, na carta encíclica Laudato Si', o Santo Padre menciona que a exploração do planeta ultrapassou os limites aceitáveis para se referir às alterações climáticas, perda de biodiversidade e poluição dos mares, solos e ar.

Exorta a que se questione o modo de vida consumista e imediatista e que se aumente a vigilância sobre a forma como os decisores fazem a justa alocação de recursos limitados perante necessidades desiguais. Apela, ainda, a que se tenha noção do quanto a vida humana depende do planeta. A poluição aumenta a doença, a qual aumenta a pobreza. Este argumento voltou a surgir na mensagem papal a propósito da atual vaga de calor que assola o sul da Europa.

É positivo que a orientação espiritual do Papa Francisco, que toca a tantos e de formas tão variadas, inclua aquilo que a ciência defende. Este é daqueles exemplos em que a fé e a ciência são duas faces da mesma moeda.

Contraceção

O uso do preservativo ou o planeamento familiar são outras mensagens que o Santo Padre tem veiculado como parte daquilo a que chama parentalidade responsável. Profunda coerência de quem entende que a pobreza também advém da doença, do estigma e que atinge mais aqueles que têm menos literacia sobre o seu corpo, os seus direitos e as múltiplas formas de contágios.

É mesmo a ideia de responsabilidade que o Papa Francisco procura incutir. Pais responsáveis sobre as suas famílias, no modo como a planeiam e garantem as melhores condições ao seu alcance. Após uma viagem às Filipinas terá chegado a criticar a ideia de que os bons católicos comparam-se a coelhos.

A contraceção ganhou particular expressão na mensagem papal durante o grande surto do vírus Zika no Brasil em 2016 – relacionado com microcefalia congénita quando contraído durante a gestação. O que disse foi algo do género: evitar a gravidez não é um mal absoluto. A seu ver, será a alternativa ao aborto e, em boa verdade, algo que a igreja já reconheceu no passado (referência ao uso de contracetivos por missionárias violadas em 1960 no então conhecido Congo Belga, hoje República Democrática do Congo).

A exortação apostólica pós-sinodal Amoris laetitia de 2016 dá o mote para a necessidade de a igreja permitir mais espaço para que, com o objetivo último de respeito da família, se entendam as circunstâncias do sofrimento e do exercício parental da responsabilidade.

Direitos homossexuais

Estão presentes desde 2013 quando Bergoglio se tornou Francisco. As suas palavras ecoaram com estrondo quando questionou a sua autoridade para julgar um bom cristão por ser homossexual. Já em 2023 manteve o discurso após uma visita a África: também são filhos de Deus e Deus ama-os, terá dito.

Esta insistência é certamente motivada por retrocessos legais dos direitos LGBTQI+ em vários países africanos, mas também pelo pouco que terá mudado no modo como as instituições – igreja católica incluída – combatem a criminalização e a discriminação sexual, o que nas palavras do Papa é uma injustiça.

De notar, contudo, que esta insistência tem incidido de forma muito mais clara sobre a defesa dos direitos das pessoas homossexuais do que sobre as identidades de género. As comunidades LGBTQI+ dividem-se entre as que valorizam o espírito reformista, progressivo e inclusivo do Papa Francisco e aquelas que, apesar de tudo, optam por sinalizar a contradição da mensagem por não ir tão longe como gostariam.

De qualquer modo, a relevância está no quanto o Papa inclui a orientação sexual como parte do entendimento da saúde. Menor discriminação significa menos medo de utilização dos serviços de saúde, melhor prevenção e diagnóstico, e mais literacia. Significa, também, menos riscos para a saúde mental e mais integração social e laboral. Afinal, a saúde também traduz a possibilidade de as pessoas existirem nas suas preferências.