Tiago Correia

Comentador SIC Notícias

País

Ainda falta até 2026 para deixar a saúde como está

Opinião de Tiago Correia. Os diagnósticos sobre a saúde em Portugal estão feitos e são consensuais.
Hospital (Arquivo)
Hospital (Arquivo)
David Sacks

Vive-se mais do que a média europeia, mas não necessariamente com melhor qualidade de vida devido à prevalência de doenças crónicas, saúde mental incluída, que afetam franjas da população que não apenas as mais velhas.

O SNS responde relativamente bem perante situações agudas graves, também doenças oncológicas, mas tem dificuldade em dar respostas integradas às pessoas que lidam com várias doenças em simultâneo, o que em demasiados casos acrescem vulnerabilidades sociais como o isolamento e baixos níveis de escolaridade e rendimento.

A despesa em saúde face à riqueza do país está em linha com a média europeia, mas mais por via do contributo das famílias (por exemplo, com seguros) do que pela despesa do Estado, mesmo considerando os aumentos orçamentais recentes.

Por fim, que o SNS não consegue reter os profissionais de que precisa para assegurar as funções constitucionais de universalidade, generalidade e tendencial gratuitidade dos cuidados. Em boa verdade, este problema atravessa os países europeus, mas no caso português ganha outra expressão devido à crescente concorrência com um setor privado mais capitalizado, inovador e com infraestruturas recentes.

Com este diagnóstico não é difícil perceber que as dificuldades na saúde só podem ter uma natureza e que essa natureza é política. Esta afirmação não deve ser confundida com a verdade de La Palisse de que sendo a saúde uma área setorial, a decisão política será sempre o resultado dos partidos políticos e das geometrias variáveis de poder que dão corpo às instituições do Estado em cada momento.

Do ponto em que observo, dizer que o principal problema do SNS é político procura destapar aquilo que considero mais importante no tempo que se vive.

O tempo que se vive é inegavelmente diferente do tempo que se viveu até ao começo da pandemia. Diminuiu uma tensão que ganhou ímpeto durante os anos da troika e que marcou a geringonça. Aí, falar dos problemas do SNS era imediatamente entendido como um ataque à coisa pública e ao legado de Arnaut, como se não pudesse haver o genuíno interesse em defender o SNS mostrando que o rei vai nu. Políticos, académicos e comentadores oscilavam entre os "puros" e os "impuros" com base no entendimento sobre se o SNS de 1979 pode ou não ser o SNS de 2023.

É bom que esse tempo tenha passado e que a realidade a preto e branco seja um espaço de cores matizadas. Não é difícil perceber que falar dos problemas e da necessidade de mudança é condição essencial para defender um país justo, inclusivo, solidário e sustentável num mundo global.

Afinal, o que carateriza o tempo que se vive? É a falta de uma estratégia mobilizadora para a saúde. Veja-se o que foi feito num ano: definiram-se os Estatutos do SNS à luz da Lei de Bases da Saúde também ela alterada em 2019, mudou-se o Ministro da Saúde, aumentou-se o orçamento do SNS, há o investimento do PRR, criou-se a Direção Executiva do SNS e qual é a sensação? Que os problemas se mantêm.

Considero a crítica justa, não por achar que falta esforço ou voluntarismo a quem ocupa os lugares de decisão e muito menos por achar que estou na posse de uma solução mágica.

A justiça da crítica está na dificuldade de perceber o que se quer politicamente para a saúde. Quer-se autonomia de gestão e financeira dos hospitais, mas os administradores queixam-se que não a têm; quer-se dar mais dinheiro ao SNS, mas até as despesas correntes não são aprovadas ou demoram tempos injustificáveis; quer-se a descentralização da tomada de decisão, mas centraliza-se a gestão e a comunicação do SNS; quer-se atrair e reter os profissionais, mas foge-se do que os sindicatos têm pedido; quer-se mais transparência, mas várias chefias clínicas e de enfermagem queixam-se de ingerência política no seu trabalho; quer-se mudanças de fundo, mas deixam-se órgãos sem estatutos aprovados ou sem a nomeação de novos responsáveis.

O discurso de quem governa destaca o trabalho feito e pede mais tempo para mostrar resultados. Mas a crítica justa não é em relação à falta de trabalho, mas sim de rumo, como tão bem se vê nestes exemplos. Perante a grandeza do SNS e das suas dificuldades, nem os desejos bastam para que a mudança aconteça nem o medo da autonomia, da transparência, da responsabilização e da participação.

Se é verdade que não há soluções mágicas, também é verdade que não se está a fazer tudo o que podia ser feito e ainda falta até 2026 para deixar a saúde como está.