Praxes académicas

Regulamentos disciplinares sobre praxes prevêem sanções que nunca foram aplicadas

As universidades e politécnicos portugueses têm regulamentos disciplinares que punem a violência entre alunos com sanções que podem chegar à expulsão dos estudantes, mas não há memória de terem sido aplicadas.

SIC

Apesar de não terem responsabilidades na regulação ou aplicação das  praxes académicas, as associações académicas vão hoje apresentar ao ministro  da Educação uma proposta de Estatuto do Estudante do Ensino Superior que  inclui normas disciplinares e sanções uniformes em caso de abusos e excessos  em contexto académico e praxes. 

Isto, apesar de as instituições já terem regulamentos próprios que sancionam  os abusos levados a cabo pelos alunos, ainda que, até hoje, nas universidades  e politécnicos contactados pela Lusa, nunca tenha havido qualquer necessidade  de os aplicar. 

"A legislação obriga a que cada universidade tenha um regulamento disciplinar  do aluno. Esse diploma define um conjunto de infrações e, no limite, pode  levar à interdição do aluno no ensino superior", disse à Lusa Ruben Alves,  presidente da Federação Académica do Porto, que reúne associações de estudantes  de várias faculdades. 

No Porto, disse, nunca nenhum aluno foi expulso. "Ora esta situação  pode ser justificada por duas razões: os casos não são reportados ou então  as situações que vieram a público são casos pontuais". 

Na Universidade de Coimbra (UC), também não há memória de expulsões  ou suspensões devido a praxes violentas, confirmou a reitoria. 

Ricardo Morgado, presidente da Associação Académica de Coimbra, diz  haver na universidade "um respeito por quem participa e por quem não quer  participar nas praxes". 

O regulamento da UC, frequentada por cerca de 24 mil alunos, define  como infração "praticar atos de violência ou coação física ou psicológica  sobre estudantes, docentes, funcionários e demais pessoas que se relacionem  com a Universidade de Coimbra". 

As sanções previstas no diploma, publicado em Diário da República em  2012, vão desde a advertência até à aplicação de multas, suspensão temporária  das atividades escolares, suspensão da avaliação escolar durante o período  de um ano e interdição de frequentar a instituição até cinco anos. 

Em Lisboa, a história repete-se. A universidade tem um regulamento,  ao qual nunca foi necessário recorrer para sancionar praxes violentas ou  desadequadas, porque nunca foram recebidas quaisquer queixas na reitoria.

André Machado, presidente da Associação Académica da Universidade de  Lisboa, sublinhou, no entanto, que "é difícil recolher informação fidedigna"  junto dos alunos, até porque, "as praxes colocam normalmente as pessoas  em situações embaraçosas", que geram receios e dificultam as denúncias.

Para André Machado "é importante distinguir praxe de crime". Discurso  semelhante tem o vice-reitor da Universidade Lusófona, Carlos Poiares, que  disse à Lusa que, mesmo tendo a universidade regulamentos para os alunos,  em caso de praxes violentas, dentro ou fora da instituição, o que tem que  ser aplicado é o Código Penal, levando os autores das potenciais situações  de crime à justiça. 

Ainda assim, disse Carlos Poiares, na universidade a que pertenciam  os seis estudantes que morreram no Meco, e que motivaram o reacender do  debate sobre as praxes na sociedade portuguesa, a prática corrente é a de  "resolver as questões académicas menos graves por consenso e com recurso  ao provedor do estudante", uma figura institucional que a Lusófona tem para  apoio ao aluno. 

Nos politécnicos há muitas realidades, segundo Bruno Fragueiro, da Federação  Nacional das Associações de Estudantes do Ensino Superior Politécnico (FNAEESP),  mas também se desconhecem expulsões ou suspensões das aulas. 

Tal como as universidades, também os politécnicos têm regulamentos publicados  em Diário da República, definindo deveres dos alunos e determinando as sanções  por incumprimento que, no caso do politécnico do Porto, podem ir da advertência  à suspensão. 

O presidente do Instituto Politécnico de Bragança (IPB), e ex-presidente  do conselho coordenador dos politécnicos, Sobrinho Teixeira, disse à Lusa  que não se lembra de ter sido aplicada alguma daquelas sanções aos seus  alunos.  

"Durante mês e meio temos reuniões semanais com a comissão de praxe  precisamente para analisar o que se passa e tentar introduzir aspetos positivos  nas praxes", contou Sobrinho Teixeira, lembrando os casos solidários, em  que os caloiros recolhem alimentos para doar a instituições, e as ações  culturais. 

Públicas ou privadas, as instituições de ensino superior estão obrigadas  a ter um regulamento disciplinar para os alunos, que pode existir enquanto  documento isolado, ou integrado nos estatutos da própria instituição.

Lusa