TAP: o futuro e as polémicas

TAP: Alexandra Reis quebra o silêncio na comissão de inquérito

A ex-administradora da TAP, protagonista de uma polémica indemnização de 500 mil euros que levou a saídas no Governo e à exoneração dos presidentes da transportadora, foi a 4.ª personalidade, e uma das mais aguardadas, a ser ouvida na comissão de inquérito. Após cerca de três meses de silêncio, Alexandra Reis garantiu que vai devolver a indemnização, que não pondera a readmissão na TAP, que não falou com Medina mas Pedro Nuno Santos sabia e que teria abdicado da indemnização se o Governo lhe tivesse pedido.

TAP: Alexandra Reis quebra o silêncio na comissão de inquérito
ANTÓNIO COTRIM/Lusa

A ex-administradora da TAP Alexandra Reis, protagonista de uma polémica indemnização de meio milhão de euros que levou a uma remodelação no Governo e à exoneração dos presidentes da companhia, foi ouvida esta quarta-feira na comissão de inquérito durante mais de seis horas e após cerca de três meses de silêncio.

Recorde-se que, Alexandra Reis foi a quarta personalidade ouvida pela comissão parlamentar de inquérito à tutela política da gestão da TAP, constituída por iniciativa do Bloco de Esquerda, depois da Inspeção-Geral de Finanças (IGF), do administrador financeiro da empresa, Gonçalo Pires, e da presidente executiva, Christine Ourmières-Widener.

E se, no dia anterior, a CEO da TAP passou culpas a terceiros fora da companhia aérea, hoje a ex-administradora apontou a mira não ao Governo, mas a Christine Ourmières-Widener. Entre algumas questões e dúvidas que persistem, Alexandra Reis garantiu aos deputados que não falou com o ministro Fernando Medina sobre a indemnização quando foi convidada para Governo.

"Quando fui convidada para secretária de Estado, não falámos do meu processo de saída da TAP, nós não falámos sobre a indemnização", afirmou Alexandra Reis, em resposta ao deputado Bernardo Blanco, da IL.

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Já questionada pela deputada bloquista Mariana Mortágua sobre se alguma vez tinha falado com Fernando Medina antes do convite para secretária de Estado, Alexandra Reis disse que teve apenas uma reunião na Câmara Municipal de Lisboa, quando Fernando Medina era autarca.

Uma versão que, saliente-se, é consistente com a do ministro das Finanças, que, em janeiro, no Parlamento afirmou crer que esteve com Alexandra Reis "enquanto presidente da Câmara Municipal de Lisboa, uma vez, acompanhada pela CEO da TAP, a propósito de um pedido que foi feito à Câmara Municipal de Lisboa, de apoio a diligências no âmbito do plano de reestruturação".

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Quanto a Pedro Nuno Santos, e em resposta ao deputado social-democrata Paulo Rios de Oliveira, Alexandra Reis adiantou que, quando falou com o ex-ministro das Infraestruturas sobre o convite de Medina para o Governo, Pedro Nuno Santos já sabia da indemnização.

Teria renunciado sem contrapartida

Alexandra Reis assegurou, aliás, que teria renunciado aos cargos na TAP, sem contrapartida, se o ex-ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, ou o ex-secretário de Estado, Hugo Mendes, lhe tivessem dito que preferiam que renunciasse.

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"Se na altura o senhor ministro, ou o senhor secretário de Estado me tivessem dito que preferiam que eu renunciasse, eu teria renunciado, sem contrapartida", afirmou a ex-administradora da TAP, em resposta ao deputado socialista Hugo Costa.

Relativamente às "tensões" com o administrador financeiro, apontadas por Gonçalo Pires e por Christine Ourmières-Widener, a ex-administradora da TAP defendeu que divergências de opinião são normais, dizendo recordar-se apenas de um momento de tensão com o CFO, depois de o responsável ter pedido tarefas à sua equipa, que ficou "confusa", tendo abordado posteriormente o assunto numa reunião.

Mas revelou que sentiu sentido de urgência por parte de Christine Oumières-Widener relativamente à sua saída, admitindo que, na altura, fez uma "leitura totalmente pessoal" para aquela urgência: "Porque ia haver eleições e ela não sabia qual era o resultado das eleições".

Alexandra Reis elencou algumas divergências de opinião, transmitidas à restante equipa de gestão, que se prenderam, por exemplo, com a mudança da sede, à qual se opunha por representar encargos acrescidos, ou com contratos de 'leasing' de aviões.

Os tempos difíceis

Depois de recordar o seu percurso na TAP desde 2017, com a promoção, em 2020, para a comissão executiva, Alexandra Reis lembrou que em janeiro 2021, acumulou mais funções no que designou como “períodos desafiantes na história da empresa.” Por isso, agradeceu aos credores, dado que sem eles a empresa não teria conseguido sobreviver nos meses mais difíceis.

A 25 de janeiro em 2022, Alexandra Reis contou que a CEO, Christine Ourmières-Widener, a informou de que iria distribuir os seus pelouros, que iria terminar o seu vínculo à empresa e que iria contactar uma sociedade de advogados para que se respeitasse os seus direitos e acordassem as condições da sua saída.

Alexandra Reis admite que aceitou a contraproposta da TAP para as condições da sua saída, com uma indemnização de 500 mil euros brutos pela cessação do mandato e contrato de trabalho.

Em dezembro de 2022, foram levantadas questões sobre o enquadramento jurídico dessa indemnização e a IGF pediu a retribuição de grande parte dessa quantia. Apesar da sua discordância, sempre disse que iria devolver essa parte da referida indemnização.

“No dia 7 de março, os meus novos advogados contactaram a TAP para o apuramento dos montantes líquidos a devolver. Desde esse dia até hoje, e apesar das insistências, três pelo menos, continuo a aguardar essa indicação para que se possa resolver essa devolução”, informa Alexandra Reis.

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“Não estive reunida com nenhum deputado”

Coube à IL o pontapé de saída na primeira ronda de questões e, tal como no dia anterior, os liberais insistiram em saber se Alexandra Reis também se reuniu com deputados do Partido Socialista. Ao contrário da CEO, Reis afirmou que não se reuniu com ninguém da Assembleia da República, nem do Executivo.

“Quando a TAP solicitou a minha saída da empresa, a formulação jurídica proposta foi a de uma renuncia precedida de um acordo e foi nessa formulação na qual eu confiei nos advogados da TAP”, disse.

Tendo isso em conta, Bernardo Blanco, deputado liberal, questionou porque é que Alexandra Reis colocou o seu lugar à disposição e, passado três semanas, pediu um 1,5 milhões de euros.

“No dia 29 de dezembro, enviei um email ao ministro da Infraestruturas, ao secretário de Estado Hugo Mendes e dizia claramente que eu mantinha o meu compromisso e vontade em continuar na empresa e implementação bem sucedida do plano de reestruturação, caso fosse a vontade de suas excelências”, evidencia.

CEO disse: “Quero que saias da empresa”

Alexandra Reis revelou, também, que não obteve resposta a essa comunicação e que continuou a fazer o seu trabalho com “empenho”. No entanto, semanas depois, e daí ter pedido a indemnização que o deputado questionou, a CEO reuniu-se com a ex-administradora.

“A CEO informou-me que queria que eu saísse da empresa, entendi aquele pedido, não entendo perfeitamente as razões que o motivaram, mas entendi que me estavam a pedir para sair da empresa, não me estavam a pedir para renunciar. As razões que me foram apresentadas foi a reorganização da comissão executiva," esclareceu.

No dia 25 de janeiro, no que Alexandra Reis classifica como “uma reunião muito curta”, a CEO explicou que queria redistribuir os pelouros que tinha por outros membros da equipa. Sem saber com que pelouro ficaria, Christine Ourmières-Widener disse, segundo Alexandra Reis: “Eu quero que saias da empresa”.

“Não só queria que eu terminasse o meu contrato como administradora, mas também como colaboradora. Deu-me nota que falou com advogado para falar sobre o processo e pediu-me confidencialidade. Eu respondi que iria ponderar”, esclarece.

Governo estava “okay” com despedimento de Alexandra Reis

Tendo em conta estas novas revelações, o deputado da IL questionou se o Governo estava a par desta reunião e do pedido da CEO a Alexandra Reis, ao que a inquirida responde que não sabia quem estaria a par, mas…

“Na altura eu perguntei: Is the government okay with this? E a resposta foi: of course”, revelou a ex-admnistradora.

O deputado questionou, então, a pressa da ex-administradora em sair da empresa, conforme foi dito pela CEO, algo que Alexandra Reis negou.

“Senti todo um sentido de urgência por parte da CEO, não era meu. O acordo foi assinado a uma hora muito tardia e sugeri que fosse só celebrado na segunda-feira seguinte, porque queria comunicar às minhas equipas presencialmente. Isso não foi aceite”, corrige.

Em relação às divergências que Alexandra Reis poderia ter com a CEO, nomeadamente sobre potenciais contratos da TAP com a empresa do marido de Christine Ourmières-Widener, a ex-colaboradora da companhia assegurou que nunca falou com a CEO sobre isso, mas que disse à sua equipa “para não contratarem a empresa”.

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"Não falei com o ministro das Finanças sobre a indemnização"

Na semana da sua saída, Alexandra Reis enviou mensagem ao ministro das Infraestruturas depois de dia 4 de fevereiro a apresentar os seus cumprimentos, como também ao secretário de Estado adjunto, Hugo Mendes, e ao secretário de Estado do Tesouro.

Nenhuma das mensagens fez menção sobre o processo da saída da ex-administradora. No entanto, o secretário de Estado do Tesouro pareceu “francamente surpreendido” pela saída de Alexandra Reis, conforme revela.

Logo em março, Hugo Santos Mendes mencionou a NAV Portugal a Alexandra Reis e, na semana seguinte, recebeu um convite formal e aceitou.

O deputado Bernando Blanco relembra que o ministro Fernando Medina afirmou que não conhecia os valores da indemnização, mas sim as razões da saída de Alexandra Reis.

“Na verdade, quando fui convidada para secretária de Estado do Tesouro, nós não falamos do meu processo de saída da TAP e da indemnização”, esclarece.

Para terminar, IL questiona se sabe realmente porque saiu da TAP, do qual Alexandra Reis ainda tem muitas dúvidas sobre os motivos, mas não sobre vontades.

“Não tenho dúvidas que foi a vontade da CEO, confesso dúvidas nos motivos, porque não terá ficado claro para mim na altura, entretanto tive oportunidade de ler o relatório da IGF onde estavam ”divergências inconciliáveis", ontem ouvi falar de reorganização da comissão executiva", evidencia.

“Eu vou devolver, aguardo que me indiquem os montantes líquidos”

Na vez do PCP, Alexandra Reis reforça que não se demitiu ou quis sair da TAP apesar do acordo feito para a sua saída. A vontade foi da CEO e a ex-colaboradora “não tomou iniciativa de sair da TAP”.

“O entendimento da IGF é distinto, consideraram que a formulação jurídica não era válida, mas posso afirmar que tanto eu, como os advogados que agora me representam não nos revemos no parecer final da IGF. Porque se não é válida então trata-se de uma destituição por conveniência, razão pela qual eu teria direito a uma indemnização”, explica Alexandra Reis.

A ex-colaboradora da companhia aérea também não concorda com a IGF de que não tem direito a indemnização, tendo em conta que o estatuto de gestor público diz “ de forma clara” que é devida uma indemnização com limite até 12 meses de salário desde que tenham sido cumpridos 12 meses de exercício de funções, também no respetivo mandato.

Esse era o caso, Alexandra Reis estava a trabalhar com funções de administradora há 17 meses.

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Mais. Fez um acordo de saída global e se uma parte do acordo é considera nula, a totalidade deveria ser considerada nula, tendo de ser reintegrada na companhia aérea portuguesa como trabalhadora.

Apesar de discordar com o parecer da IGF e apresentar juridicamente porque teria direito a uma indemnização, Alexandra Reis reitera: “Eu vou devolver, aguardo que me indiquem os montantes líquidos”.

“Nunca pensei que pudesse haver alguma dúvida sobre aquele valor”

Na vez de Mariana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda e candidata à sua liderança, a insistência foi no valor da indemnização e a forma como Alexandra Reis saiu efetivamente da TAP que, de acordo com o estatuto de gestor público, só existem três formas.

Para a deputada bloquista é importante perceber como se não considera o valor que pediu - não o que chegou a receber - de 1,4 milhões de euros desajustado.

"Era um valor elevado, sem sombra de dúvida, é um valor significativo, mas também o eram e são as responsabilidades de um administrador, que são muito elevadas, no caso de uma companhia aérea", começou por responder, referindo que no caso de queda de um avião a responsabilidade "pode ser imputada pessoalmente a cada um dos administradores da empresa".

Entendendo que "era de facto um valor muito expressivo", a antiga administradora referiu que "era um valor para discussão" e que aceitou uma "contraproposta com valor muito mais baixo" ou seja 500 mil euros, assumindo que ainda assim também "é um valor expressivo comparado com média nacional", mas que as "responsabilidades que estavam inerentes ao cargo eram também elevadas".

"Não estou a fazer juízo de valor sobre legalidade dos 500 mil euros, o que digo é que quando foram propostos e aceitei. Nem por um instante pensei que alguma vez pudesse haver alguma duvida sobre aquele valor", enfatizou.