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O que é o Hezbollah, movimento que nasceu no Líbano para lutar contra Israel?

O movimento xiita libanês apoiado pelo Irão atacou o Estado hebreu em solidariedade com o Hamas, na sequência da ofensiva palestiniana lançada a 7 de outubro.

Apoiantes do Hezbollah e do seu líder Sayyed Hassan Nasrallah
Apoiantes do Hezbollah e do seu líder Sayyed Hassan Nasrallah
Bilal Hussein / AP

(Artigo atualizado a 28 de setembro de 2024)

O movimento islâmico palestiniano Hamas lançou um ataque sem precedentes contra Israel na madrugada de sábado, 7 de outubro. Foram lançados milhares de rockets contra território israelita, militantes islâmicos furaram barreiras e entraram em comunidades perto da Faixa de Gaza, matando residentes e fazendo reféns. Mais de 1.000 pessoas morreram de ambos os lados. Israel declarou o estado de guerra.

Israel tem assim uma frente de guerra a sul declaradamente aberta contra o Hamas. Mas a norte há outra preocupação: o movimento xiita libanês Hezbollah.

No dia seguinte ao ataque palestiniano, o Hezbollah, que é apoiado pelo Irão, atacou o Estado hebreu em solidariedade com o Hamas. Desde então, o Hezbollah e as fações palestinianas em território libanês têm constantemente disparado rockets e mísseis contra Israel.

O que é este grupo radical xiita libanês e algum contexto para entender um pouco da História da região.

O que é o Hezbollah?

Hezbollah (“Partido de Deus”), Hezbullah ou Hizbullah, é um partido político e um grupo radical islâmico que surgiu como uma milícia durante a guerra civil do Líbano, quando Israel invadiu o país em 1982.

Surgiu com o apoio do Irão durante a ocupação israelita, embora as suas raízes ideológicas remontem ao renascimento islâmico xiita no Líbano nas décadas de 1960 e 1970.

Em 2006, o Hezbollah e Israel travaram uma guerra brutal que durou um mês, fazendo 1200 mortos do lado libanês e 160 israelitas, na sua maioria militares. Desde então, o Hezbollah e Israel trocam tiros esporádicos na fronteira, evitando ao mesmo tempo um conflito em grande escala.

O grupo tornou-se gradualmente num elemento chave no sistema político do Líbano. Nas eleições de 2009 conquistou 10 lugares no Parlamento e integrou o governo de unidade nacional.

Tem sido acusado de realizar uma série de atentados à bomba e conspirações contra alvos judeus e israelita e é designado como organização terrorista pelos estados ocidentais, por Israel, pelos países do Golfo Árabe e pela Liga Árabe.

Alguns libaneses consideram-no uma ameaça à estabilidade do país, mas é popular entre a comunidade xiita.

Soldados libaneses na fronteira entre Líbano e Israel.
Mohammed Zaatari / AP

O receio da segunda frente de guerra

No dia seguinte à ofensiva do Hamas de 7 de outubro, o Hezbollah, bombardeou dois quartéis israelitas, em resposta à morte de três dos seus membros devido aos bombardeamentos israelitas no sul do Líbano. Dias depois, reivindicou um ataque com mísseis contra o norte de Israel.

Os ataques marcam o início do quarto dia consecutivo de hostilidades na zona fronteiriça, aumentando o receio da escalada da guerra.

"Os Mujahidin [combatentes] da Resistência Islâmica atacaram com mísseis guiados o ponto sionista de Al Khrdah, em frente à área de Al Dhaira", disse o movimento xiita em comunicado citado pela agência espanhola EFE.

Segundo o grupo pró-Irão, o ataque resultou "num grande número de baixas confirmadas nas fileiras das forças de ocupação, incluindo mortos e feridos".

Após o ataque, Israel bombardeou o sul do Líbano, afirmando que estava a bombardear o território libanês “em resposta a mísseis antitanque que visavam soldados israelitas”. O exército israelita indicou que “matou vários suspeitos armados que se infiltraram no território israelita a partir do território libanês”.

“Relativamente à parte do Norte de Israel, que é muito importante, houve ataques do Líbano, ataques de rockets no Sul do Líbano para o Norte de Israel, e isso aponta a presença do Hezbollah, que até agora está a ser desmentida”, salientou na antena da SIC Notícias o comentador Germano Almeida.

Em declarações na segunda-feira à agência de notícias Associated Press (AP), Ali Barakeh, membro da direção do Hamas no exílio em Beirute, disse não houve envolvimento do Irão ou do Hezbollah mas disse esperar que a República Islâmica e o movimento xiita libanês se juntem à batalha, caso Gaza seja "sujeita a uma guerra de aniquilação.

Reconheceu que o Irão e o Hezbollah ajudaram o Hamas no passado, mas disse que desde a guerra de Gaza de 2014 o Hamas tem produzido os seus próprios rockets e treinado os seus próprios combatentes.

“Profundamente preocupados”, os Estados Unidos alertaram o Hezbollah libanês na noite de segunda-feira para não abrir uma “segunda frente” contra Israel.

A “mão” do Irão

“É muito cedo para dizer” se o Irão está “diretamente envolvido” nesta ofensiva e os Estados Unidos “não têm neste momento nenhuma indicação” neste sentido, declarou a Casa Branca, acrescentando, no entanto, não ter “nenhuma dúvida” sobre o facto de o Hamas ter sido "financiado, equipado e armado", entre outros, pela República Islâmica do Irão.

Teerão, por seu lado, declarou que “apoia a defesa legítima da nação palestiniana” e um conselheiro militar do líder supremo iraniano, o ayatollah Ali Khamenei, saudou a “orgulhosa ofensiva” do Hamas.

Para o especialista em Médio Oriente do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas francês (IRIS), David Rigoulet-Roze, em declarações à France Info no sábado,"houve transferências de armas, de know-how. Existe claramente uma mão iraniana que permite o fabrico local de mísseis".

Para Kobi Michael do israelita INSS “o Hamas não teria ousado lançar tal operação sem ter uma apólice de seguro séria, e eles obtêm-na do Hezbollah e do Irão”.

Xiitas e sunitas

No mundo muçulmano, do norte de África à Indonésia, o sunismo e o xiismo, com derivações, constituem as duas grandes correntes do Islão, a primeira seguida por mais de 80% dos cerca de 1,5 mil milhões de crentes.

O cisma entre estas duas correntes religiosas tem origens remotas, na sequência da morte do profeta Maomé em 632 (século VII), na atual Arábia Saudita, um país que permanece a grande referência do sunismo na sua estrita variante wahabita.

O sunismo (de 'sunna', os preceitos baseados nos ensinamentos de Maomé), que prevaleceu maioritário nas suas diversas expressões, sugeria genericamente que qualquer fiel poderia ser o sucessor do profeta após o necessário consenso entre a comunidade islâmica.

O xiismo (o "partido de Ali"), defendia pelo contrário a sucessão "dinástica", uma linha sucessória, apesar de no islamismo clássico não existir o conceito de hierarquia.

Quatro países com maioria xiita

Atualmente existem apenas quatro países com maioria de população xiita: o Irão, principal referência sobretudo após a revolução islâmica de 1979 (93,6%), o Iraque (66,92%), o Bahrein (74,29%) e o Azerbaijão (85%).

Jihadistas radicais reclamam-se do sunismo

Os grupos jihadistas mais radicais reivindicam-se do sunismo, incluindo a Al-Qaeda e o grupo extremista Daesh (autodenominado Estado Islâmico), além do Hamas, a formação palestiniana fundamentalista que domina a Faixa de Gaza.