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A genética revela quem foram os primeiros humanos modernos da Europa

Os cientistas descobriram provas dos primeiros humanos modernos a viver em permanência no território que é hoje a Europa.

Venus de Brassempouy
Venus de Brassempouy
DE AGOSTINI PICTURE LIBRARY

Quem foram os primeiros humanos modernos a estabelecerem-se definitivamente na Europa? A questão que intriga os investigadores poderá ter agora uma resposta graças à genética.

Embora os antropólogos saibam há muito tempo que alguns grupos humanos começaram a deixar África há cerca de 60 mil anos, a maioria era nómada, não permanecendo muito tempo em nenhuma área específica.

Além disso, há cerca de 40 mil anos, um supervulcão no sul de Itália exterminou a maior parte dos Sapiens e dos Neandertais na Europa.

Estes acontecimentos levaram os antropólogos a questionar-se quando é que os antepassados dos europeus de hoje chegaram e decidiram estabelecer-se.

Uma equipa internacional de cientistas acredita ter encontrado os vestígios que provam que os primeiros humanos modernos a fixar residência permanente na Europa estabeleceram-se na Crimeia há cerca de 37 mil anos.

Análise de sequências do ADN

Uma equipa internacional de investigadores no CRN de França acredita ter encontrado os primeiros residentes permanentes da Europa entre uma coleção de esqueletos do sítio arqueológico de Buran-Kaya III, na Península da Crimeia, no norte do Mar Negro.

Os cientistas analisaram fragmentos de crânio de dois indivíduos que viveram há 36 mil e 37 mil anos, cujo genoma pôde ser agora extraído graças às novas técnicas, de acordo com um estudo publicado esta semana na Nature Ecology & Evolution.

Os cientistas revelaram uma ligação entre as sequências de ADN do genoma do primeiro Homo Sapiens que chegou à Europa há 45 mil anos, que se pensava não ter herança genética, e o de populações muito posteriores.

A equipa comparou este genoma com dados de bancos de ADN e, em particular, com o genoma do humano moderno mais antigo da Europa, sequenciado no crânio de uma mulher de há cerca 45.000 anos, encontrado no território da atual República Checa.

Fragmento de crânio encontrado em Buran-Kaya III, na Crimeia, pertencente a um indivíduo que remonta a aproximadamente 37.000 anos.
Eva-Maria Geigl/IJM/CNRS

Há 45.000 anos

O primeiro Homo Sapiens que saiu de África desembarcou no continente euro-asiático, cujo povoamento foi ocorrendo em ondas sucessivas. Uma parte desta população pioneira estabeleceu-se na Ásia de forma duradoura, pois deixou uma herança genética mesmo entre as populações atuais.

O ramo europeu tem uma história mais caótica e para a qual até agora não tinha sido encontrada nenhum vestígio genético. Calculava-se que tivesse desaparecido e que tivesse sido totalmente substituído, vários milhares de anos depois, por uma nova onda de migração, da qual fazem parte os humanos de Buran-Kaya III, geneticamente próximos de nós, explicou à AFP Eva-Maria Geigl, coautora do estudo.

Entre os fatores na origem deste declínio estará um arrefecimento do clima e uma desertificação, ocorrida entre 45.000 e 40.000 anos atrás, a que se juntou uma gigantesca erupção do vulcão dos Campos Flégreos perto de Nápoles, em Itália, que cobriu parte da Europa com uma nuvem de cinzas.

Esta crise ecológica teria sido “suficientemente grave para levar ao desaparecimento destes primeiros Sapiens e talvez também dos Neandertais”, outra espécie humana extinta no mesmo período, afirma a geneticista.

Mas a descoberta de vestígios de ADN nos esqueletos do sítio da Crimeia sugere que, pelo menos parte desta população pioneira, sobreviveu à catástrofe.

“Terá sido complicado para todos, mas devem ter sobrevivido alguns indivíduos, já que deixaram parte de seus genes”, explica Thierry Grange, diretor de pesquisa do CNRS e coautor do estudo.

Os seus descendentes ter-se-iam então “cruzado com os recém-chegados depois de o clima ter aquecido e se ter tornado mais húmido”, acrescenta Eva-Maria Geigl.

Sítio arqueológico Buran-Kaya III

Buran-Kaya III é uma caverna sobre o rio Burulcha, localizado na região de Belogorsk, na Crimeia. Estudos feitos neste local têm revelado camadas estratigráficas que se estendem desde o Paleolítico Médio até ao Neolítico.

https://www.researchgate.net/publication/312664633

A caverna, descoberta em 1990, possui ricos depósitos de atividade humana de um período de pelo menos 50.000 anos. Mas os arqueólogos estão mais interessados em camadas que datam de 38 mil a 34 mil anos atrás, pois incluem objetos como ferramentas de pedra e ossos esculpidos semelhantes a artefatos da cultura gravetiana.

Esta cultura espalhou-se pela Europa há cerca de 33.000 anos, o que sugere que Buran-Kaya pode ser a primeira prova de assentamentos permanentes na Europa e pode ter dado origem à cultura gravetiana.

Vénus de Brassempouy

Outra revelação da comparação dos genomas: os dois humanos do sítio da Crimeia estão geneticamente ligados a populações da Europa Ocidental associadas ao período gravetiano (entre 31 mil anos e 23 mil anos atrás), cultura conhecida pela produção de estatuetas femininas chamadas Vénus de Brassempouy, uma estatueta de marfim considerada uma das primeiras representações realistas conhecidas de um rosto humano feminino.

As escavações em Buran-Kaya III revelaram a existência de objetos bastante semelhantes (ferramentas de pedra, placas de marfim de mamute), mas a ligação com o gravetiano no Ocidente tem sido uma questão polémica entre os arqueólogos.

"Estes elementos estavam muito distantes geograficamente e a diferença era de mais de 5.000 anos”, sublinha Thierry Grange.

Os autores deste recente estudo afirmam que são provas genéticas que confirmam que a cultura gravetiana teve origem no Oriente. E, por último, que os nossos antepassados ​​da Europa de Leste migraram para o Ocidente, “contribuindo para os genomas dos atuais europeus”, conclui Eva-Maria Geigl.