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Entre o cérebro humano e tecnológico: a Inteligência Artificial vai roubar-te o trabalho?

Enquanto as notícias celebram os avanços da Inteligência Artificial, a realidade nas ruas é marcada por receio. A ideia de que as máquinas podem substituir trabalhadores humanos não é mais um conceito futurista. Muitas pessoas sentem, de facto, uma ameaça. A SIC Notícias falou com um especialista para acalmar (ou não) as mentes inquietas.

Entre o cérebro humano e tecnológico: a Inteligência Artificial vai roubar-te o trabalho?
Jonathan Kitchen

Num cenário onde a promessa do avanço tecnológico se entrelaça com a ansiedade de um futuro incerto, muitos portugueses sentem-se numa relação de amor-ódio com a Inteligência Artificial. Os números não mentem. 68% dos portugueses temem o pior: uma vaga de desemprego causada por esta temida revolução. Mas o que dizem os especialistas?

A pergunta que tem ecoado nas mentes dos portugueses não é apenas sobre o futuro da Inteligência Artificial (IA), mas qual o “preço a pagar” nas oportunidades de emprego. Sete em cada dez portugueses acreditam que a tecnologia irá substituir os trabalhadores por computadores, revela o Observador Inteligência Artificial 2023.

Talvez por medo, ou como forma de preparação para o futuro, 80% dos inquiridos revelaram que já se informaram sobre o impacto da inteligência artificial no seu trabalho, ou que ainda tencionam fazê-lo. Mas o que diz quem (mais) percebe sobre o assunto?

“A forma como a IA irá afetar os postos de trabalho é idêntica à forma como ao longo da história os vários processos de industrialização, de automatização ou de optimização alteraram, extinguiram ou deram origem a novos postos de trabalho”, começou por explicar o coordenador do curso de Creative Tech, no IADE, João Dias.

No entanto, são os postos de trabalho que envolvem tarefas em que é crucial a identificação de padrões de funcionamento ou de comportamento que “mais irão ganhar e evoluir com a introdução de IA”.

O que pode acontecer com a sua profissão?

As “profissões em que é necessário classificar a informação recebida (seja a classificação física de objetos ou a classificação de informação textual ou gráfica), ou mesmo informação estratégica, são aquelas que poderão perder parte do seu caráter repetitivo e ganhar uma maior criatividade”, sublinhou, ainda João Dias.

Portanto, como mencionou o coordenador científico, as áreas onde pode vir a existir uma alteração na forma como o humano interage com as máquinas ou com os sistemas autónomos são:

  • Áreas da logística e da simulação (desde a identificação dos elementos à determinação das melhores rotas);
  • Área militar;
  • Áreas em que há identificação automática de sons e imagens.

Ou seja, “todas as profissões associadas ao desenvolvimento deste tipo de soluções irão sofrer alterações, mas também de forma indireta, as profissões que utilizam este tipo de sistemas”.

O que há de positivo e negativo nesta história?

Como explica o docente do IADE, o lado mau desta evolução passa pela redução de postos de trabalho associados a funções mais repetitivas. Mas, o lado positivo é mesmo a máquina ajudar nestas tarefas repetitivas, que acabam por não ser atividades saudáveis.

“Acima de tudo, o aumento da produtividade associado à introdução de mecanismos de Inteligência Artificial pode ser visto como uma oportunidade para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores”.

No caso das áreas mais criativas, a utilização de IA pode ajudar os criadores a simularem uma representação mais fidedigna do que pretendem para o seu trabalho final. Os argumentistas ou realizadores já conseguem utilizar IA para obter uma “representação visual dos espaços ou dos personagens da sua narrativa, o que provavelmente irá contribuir para acelerar o processo de produção, sem que exista a tentação de o substituir”, explicou.

O meio artístico pode estar sob ameaça?

João Dias refere a “polémica” associada à utilização de sistemas de IA num contexto mais artístico, a denominada IA generativa.

“Ela permite que este tipo de sistemas tenham a capacidade de compor imagens, modelos, vídeos ou sons, a partir de algoritmos que identificam padrões na arte já existente”.

Portanto, isto quer dizer que aquilo que facilita o artista, pode tornar-se num problema essencialmente legal. Mas, porquê?

“Por vezes, na obra gerada existem elementos reconhecíveis dos trabalhos que lhe serviram de modelo de treino”, refere o coordenador, ao deixar claro que isto não é um problema recente.

Tanta inovação... e criar novos empregos?

“Mais do que criar novas profissões a IA irá decerto contribuir para uma adaptação das tarefas atualmente existentes, o que em alguns casos poderá parecer que se trata de novas profissões”, notou o investigador.

Portanto, a resposta que muitos querem ouvir é um "sim”. Uma nova classe de profissões ou cargos que, eventualmente, poderá surgir prende-se com a supervisão destes sistemas e com a avaliação da qualidade dos resultados (decisões tomadas pelos sistemas), referiu.

“Os sistemas precisam de ser continuamente alimentados (ou seja, treinados) com informação atual e, essa informação, tem de ser preparada ou pré-processada e, por isso, vão existir novas funções associadas a estas tarefas”.

E acrescentou:

“Dado que o universo de temas é vasto, é uma função que vai requerer especialistas de diversas áreas”.

Por outras palavras, podemos dizer que, para estes sistemas inteligentes artificiais, “vamos precisar de especialistas em terapia artificial”.

Os humanos devem ter medo das máquinas?

“A IA representa uma revolução (ainda no seu início) para o mercado de trabalho. Mas, como qualquer revolução, vai ser um gerador de mudança e com ele trazer ameaças e oportunidades”, esclareceu o coordenador científico.

João Dias não desmente que existem muitas tarefas em que o homem já foi substituído pela máquina, “e ainda bem!”, afirmou. Mas, para acalmar os mais assustados, deixou como exemplos áreas da construção civil ou até mesmo das ciências informáticas, onde ainda existe uma grande dependência das máquinas e, ainda assim, há uma enorme necessidade de mão de obra humana.

Por isso, aos 68% dos portugueses questionados pelo Observador Cetelem, que acreditam que a Inteligência Artificial levará ao aumento das taxas de desemprego, o coordenador do curso de Creative Tech deixa claro:

“Se falamos do nosso planeta e do futuro da sociedade, o maior risco para a existência do homem continua a ser o próprio homem”.