Uma empresa de biotecnologia nos Estados Unidos afirma ter criado filhotes de lobos extintos há mais de 12 mil anos. A revelação provocou entusiasmo nas redes sociais, mas também críticas da comunidade científica
A Colossal Biosciences, uma startup norte-americana especializada em engenharia genética, divulgou imagens de três jovens lobos com características semelhantes às dos lobos gigantes Canis dirus, uma espécie extinta na América do Norte.
O anúncio promete revolucionar a ciência da desextinção - mas muitos especialistas duvidam da veracidade da experiência.
Um regresso do passado?
Três lobos com pelo branco como a neve. A Colossal Biosciences apresentou-os como Canis dirus ressuscitados: uma espécie de lobo gigante que desapareceu há mais de 12 mil anos. As imagens e vídeos destes filhotes, batizados Rómulo, Remo e Khaleesi, espalharam-se rapidamente pelas redes sociais, acompanhados de declarações ousadas da empresa.
“Pela primeira vez na história da humanidade, restaurámos uma espécie extinta com sucesso”, proclamou a Colossal.
Como foram criados os lobos gigantes
Segundo a empresa, o processo começou com a análise de ADN extraído de dois fósseis de lobo pré-histórico: um dente e um osso com cerca de 13 mil e 72 mil anos. Ao comparar este material genético com o ADN do lobo cinzento moderno, os investigadores concluíram que as espécies eram 99,5% semelhantes.
“Ao identificar as diferenças associadas ao tamanho, musculatura e pelagem, editámos o genoma de um lobo cinzento para incluir essas variantes genéticas”, explicou Beth Shapiro, cientista-chefe do projeto, em entrevista à AP.
A edição foi feita com recurso à tecnologia Crispr-Cas9, frequentemente utilizada em genética humana.
Depois, células editadas foram clonadas e implantadas em óvulos não fertilizados, num processo semelhante à fertilização in vitro. O resultado, segundo a Colossal, são lobos com traços fenotípicos semelhantes aos da espécie extinta.
Alimentação e comportamento
Matt James, responsável pelo bem-estar animal na Colossal, afirma que os filhotes estão a desenvolver comportamentos instintivos, como perseguir presas e mastigar ossos.
“Eles comem carne de vaca, veado e cavalo. Já começaram a experimentar presas inteiras. Mostram instintos de caça, mas não saberão como matar um alce - essas são aprendizagens sociais que não terão", disse à AP.
“Um lobo cinzento ligeiramente modificado”
Corey Bradshaw, professor de Ecologia Global na Universidade Flinders, é categórico:
“Isto não é um lobo terrível. É, no melhor dos casos, um lobo cinzento ligeiramente modificado.”
Segundo o investigador, as alterações feitas ao ADN são limitadas e não constituem a recriação de uma espécie extinta. Bradshaw também critica a ausência de provas rigorosas:
“Quando há promessas grandiosas sem evidência científica, levanta-se uma enorme bandeira vermelha", disse à Reuters.
Tecnologia limitada e problemas genéticos
O especialista recorda que a ciência ainda não permite reconstruir genomas completos de espécies extintas. O ADN fóssil encontra-se geralmente degradado, tornando impossível recriar um genoma funcional.
Mesmo que fosse possível clonar vários indivíduos, existiriam riscos genéticos graves.
“Seriam necessários milhares de animais geneticamente diversos para formar uma população viável. Dois ou três não bastam. Isso leva à consanguinidade e à extinção rápida da nova população”, segundo Bradshaw.
“O que fizeram foi editar geneticamente um lobo cinzento para que se parecesse superficialmente com um lobo gigante. Mas nem sequer sabemos ao certo como esses lobos eram", referiu à AFP Vincent Lynch, da Universidade de Buffalo.
Questões éticas e prioridades ambientais
A iniciativa também levanta dúvidas éticas. Ronald Sandler, diretor do Instituto de Ética da Universidade Northeastern, receia que projetos como este distraiam do essencial:
“O importante é resolver as causas da extinção. Não podemos cair na ilusão de que tudo se resolve trazendo as espécies de volta", lembrou em declarações à AFP.
Ressuscitar outros animais extintos
Em 2024, Ben Lamm, cofundador e CEO da Colossal Biosciences, afirmou que a empresa pretende produzir as primeiras crias semelhantes a mamutes até 2028 e “é altamente provável que se possa alcançar outra espécie antes disso”, disse Lamm, referindo-se a outros projetos da empresa: o dodo (Raphus cucullatus) e o tigre-da-tasmânia (Thylacinus cynocephalus).
Em março deste ano, a empresa divulgou fotos de ratinhos com alguns genes de mamute, o que já estava a gerar polémica.