Opinião

A maldição dos tempos interessantes

Opinião de Paula Mesquita Lopes, SIC

A maldição dos tempos interessantes

“Que vivas em tempos interessantes”. Esta é uma maldição chinesa que se popularizou depois de ter sido usada pelo historiador britânico Eric Hobsbawm como título da sua autobiografia. Uma maldição que poderá ter origem no provérbio chinês “Mais vale ser um cão em tempos de paz do que um homem em tempos de caos”.

Maldição ou provérbio, nestes últimos dois anos, muito poucos serão os que não concordam que estamos a viver “em tempos interessantes”. Em alguns casos, em alguns lugares, há mesmo quem esteja a viver “em tempos de caos”.

O ser humano adapta-se a tudo, ou quase tudo. Mas o tempo de adaptação a novas rotinas ou a novos hábitos é diferente de pessoa para pessoa, de situação para situação. A cultura e a mentalidade de cada povo, a alteração que pretendemos ou a adversidade com que nos deparamos involuntariamente, também influenciam o tempo que demoramos a adaptar-nos a novas situações.

Tal como no caso da maldição chinesa que se popularizou no Ocidente sem uma confirmação real, há um número mais ou menos “mágico” que se tornou quase um mito para contabilizar o tempo que demora a formar um hábito: 21 dias. Ao fim de 21 dias, algo novo já se terá tornado numa rotina. Mas mais uma vez, parece que não é bem assim.

O psicólogo norte-americano Jeremy Dean, autor do livro Making Habits, Breaking Habits: Why We Do Things, Why We Don’t, and How to Make Any Change Stick, concluiu que, em média, são necessários 66 dias para que alguém adquira um novo hábito, ou seja, comece a fazer de maneira automática algo que antes não fazia. Mas este número é uma média, que varia bastante de indivíduo para indivíduo e, claro, depende do tipo de hábito. Estudos conduzidos por este psicólogo de Boston, revelaram que beber um copo de água depois do café demora cerca de 20 dias para se transformar num hábito enquanto fazer exercício físico pode levar até 84 dias.

Estas frases, maldições ou provérbios, estes números, têm sido recorrentes no meu pensamento nos últimos dias. Escrevo esta crónica a 6 de janeiro, no dia em que o Jornal Expresso faz 49 anos, 2 dias antes de a SIC Notícias, onde trabalho, fazer 21 anos. E só vos digo que os últimos dias, desde domingo 2 de janeiro de 2022, não têm sido de festa. Têm sido “de loucos”.

De um dia para o outro, os nossos hábitos mudaram, as nossas rotinas mudaram, a forma como trabalhamos mudou radicalmente. E adaptamo-nos da noite para o dia, literalmente.

Não tivemos 20 dias, nem 66 dias, nem 84 dias para reagir aos “tempos interessantes” que se abateram sobre nós. Simplesmente reagimos. Todos. Como um TODO. Não tivemos tempo para pensar, ponderar, avaliar, recuar para observar. Tivemos de continuar em frente, tivemos de fazer de muitas outras maneiras o que estávamos habituados a fazer, há muito tempo, da mesma forma. Alguns lideraram, não dormiram, inventaram novos caminhos que outros seguiram, com confiança, mesmo sem saber se era possível chegar ao fim.

Isto aconteceu-nos agora a nós mas eu sei que nos últimos 2 anos aconteceu o mesmo a milhões de pessoas em todo o mundo, devido à Covid-19. Acima de tudo aconteceu aos profissionais de saúde que a partir do momento em que o Sars-Cov-2 entrou nas nossas vidas, nas nossas vias respiratórias, passaram a viver “em tempos interessantes”. Ainda não chegámos ao fim desta pandemia. Parece aliás que estamos cada vez mais longe disso a cada nova variante. Vamos, de certeza, continuar a viver “em tempos interessantes”. E a única certeza que temos é que para sobreviver, há que reagir. A adaptação à adversidade é a chave.

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