Opinião

E como fica o futebol no meio do conflito entre Israel e o Hamas?

Opinião de Duarte Gomes. Não será de todo a pergunta mais importante a fazer no meio do horror que temos testemunhado, mas servirá para tentarmos perceber o alcance medonho que uma guerra pode ter no quotidiano de quem mora nos dois lados da barricada.
E como fica o futebol no meio do conflito entre Israel e o Hamas?
Anadolu Agency/Getty Imagens
O que se está a passar agora naquela região não é muito diferente do que acontece na Ucrânia, Síria, Iémen ou Nagorno-Karabakh: disputas armadas baseadas em motivações recentes ou passadas, quase todas assentes em inultrapassáveis diferenças religiosas, ideológicas, étnicas ou territoriais.
Pelo meio, uma certeza inabalável: as consequências catastróficas para milhões e milhões de inocentes, homens e mulheres, crianças e adolescentes, idosos e doentes esventrados das suas liberdades, privados das suas vidas, assassinados sem piedade.
Um genocídio que acontece todos os dias, no mesmo planeta em que vivemos, à frente dos nossos olhos e à frente dos olhos de uma comunidade internacional tão célere a condenar as baixas de um lado como a fornecer armas para a resposta estupidamente desproporcional do outro.
Mas o artigo de hoje não pretende fazer análise geopolítica, até porque sou leigo na matéria. A única coisa que "sei" é que há nestas guerras danos colaterais inaceitáveis, que enojam a alma e o coração de qualquer pessoa decente.
Voltemos ao início: como fica o futebol, os seus jogadores, treinadores e dirigentes, no meio de um conflito assim? Bem, o futebol, tal como a escola, o trabalho ou a vida diária simplesmente... não ficam. Deixam de existir.
Na Palestina havia, até ao início deste mês, duas ligas regionais, uma na Faixa de Gaza e outra na Cisjordânia. Eram "regionais" porque Israel impediu a criação de uma liga nacional, bem como viagens das equipas entre os dois territórios.
O estado de Israel proibiu ainda que o selecionar palestiniano pudesse ir a Gaza observar em ação jogadores selecionáveis. Makram Daboub só pode convocar atletas cisjordanos e mesmo assim com algumas restrições, visto que é frequente serem detidos por motivos políticos.
Foi o que aconteceu por exemplo com Mahmoud Sarsak, acusado de fazer parte de grupos extremistas e, pior ainda, com a promessa local Ahmed Daraghmeh, abatido pelo exército israelita o ano passado.
A seleção nacional palestiniana tinha sido convidada para participar num torneio particular na Malásia nos próximos dias, mas não irá comparecer por motivos óbvios.
Não parece haver dúvidas que por ali o futebol é o reflexo do dia-a-dia na zona: perigo constante, sobrevivência no limite, zero controlo sobre a própria existência e governo nas mãos de um partido extremista, terrorista e bárbaro: o Hamas.
Em Israel os campeonatos também pararam na totalidade, embora os seus atletas - totalmente profissionais e, entre eles, vários jogadores estrangeiros - não tenham felizmente sofrido na pele as consequências práticas do conflito. Muitos jogadores optaram por regressar temporariamente às suas casas, outros ficaram e juntaram-se ao povo, também ele vítima inocente neste conflito, para promoverem ações de solidariedade e apoio ao seu país.
Convém termos em conta a existência anterior de clivagens entre clubes israelitas, manifestada sobretudo pelos seus adeptos e claques mais radicais. Uns mais à esquerda, outros mais à direita, uns pró-judeus, outros pró-árabes, um autêntico pesadelo para a segurança que o desporto devia dar a todos os seus agentes desportivos.
São dinâmicas que nós, deste lado, teremos alguma dificuldade em entender, mas que têm enquadramento histórico profundo, quase para lá da nossa compreensão.
Certo, certo é que no meio disto tudo, o desporto pára, a educação não avança, o medo paira e o futuro próximo é sombrio. Tudo porque há quem seja incapaz de aceitar, ceder, tolerar, negociar, abdicar ou apenas... perdoar.
O mundo é um lugar maravilhoso. São alguns humanos que o tornam assim, tão perigoso e assustador.