Tiago Correia

Comentador SIC Notícias

País

Guia para entender o novo estatuto do SNS (parte 1): quatro ideias fundamentais

Opinião de Tiago Correia, comentador SIC e professor de Saúde Internacional.

Guia para entender o novo estatuto do SNS (parte 1): quatro ideias fundamentais

Nada em política é por acaso. Esta frase aplica-se na perfeição à sessão que o Governo promoveu para apresentar o novo estatuto do Serviço Nacional de Saúde (SNS). O palco foi a sala do Infarmed onde, vezes sem conta, os decisores ouviram especialistas em sessões de monitorização e aconselhamento sobre a pandemia. Se o governo venceu a covid-19 – frase proferida pelo primeiro-ministro –, então não havia local mais simbólico para anunciar o novo estatuto do SNS. Deseja-se que tenha sucesso porque é uma legislação com poder transformador do SNS e do sistema de saúde português.

Esta é a primeira ideia sobre o novo estatuto do SNS: tem poder transformador. Terá impacto nos cidadãos, no modo como acedem aos serviços de saúde e navegam no sistema. Terá impacto nos profissionais em relação à vontade de trabalhar no SNS. Terá impacto nas organizações, na capacidade de atrair e manter profissionais motivados e no modo de gerir doentes, camas e a relação com serviços sociais. Terá impacto no setor privado, na medida em que estabelece regras para os profissionais de saúde que trabalham em vários locais e para a maior ou menor transferência de verbas para atividades complementares ao SNS. Por fim, terá impacto nos decisores políticos.

O impacto nos decisores políticos é a segunda ideia sobre o novo estatuto do SNS. Além da importância intrínseca deste quadro normativo, o primeiro-ministro e a ministra da Saúde reforçaram a sua importância política. Recorde-se que perante o fecho sistemático das urgências de obstetrícia foi repetido até à exaustão que isso decorria da falta de um novo estatuto do SNS. A dedução lógica é que o novo estatuto do SNS irá corrigir o problema.

Redobrar o peso político do estatuto do SNS tanto pode ser benéfico como fatal. Não é exagerado reconhecer que esta ministra da Saúde tem conseguido oportunidades únicas para governar: além de ter alterado o estatuto do SNS – nas suas palavras, “foi um dia feliz” –, já tinha alterado a lei de bases da saúde em 2019 e receberá os cheques do PRR. Por isso, Marta Temido será a única responsável pelo sucesso ou insucesso político de Marta Temido.

A terceira ideia diz respeito aos problemas que o novo estatuto do SNS visa responder. Foram identificadas três grandes áreas de problemas. Uma é a necessidade de melhor organização entre hospitais, centros de saúde, cuidados continuados e paliativos. Trata-se daquilo que vezes sem conta se ouve dizer como o funcionamento em rede. Outra é a necessidade de maior autonomia de gestão dos serviços de saúde, de modo que as decisões sejam mais rápidas e adequadas a realidades concretas. A última é a necessidade de mais motivação dos profissionais para se manterem como capital humano do SNS. Não podia estar mais de acordo quanto a este diagnóstico. Portanto, sim, o racional político do novo estatuto do SNS está correto.

A quarta ideia diz respeito ao sucesso do novo estatuto do SNS, ou seja, se há garantia de que resolva aqueles problemas. A resposta sincera neste momento é: não se sabe. É importante distinguir a formulação e a implementação de políticas. Políticas bem formuladas podem ser mal implementadas. Neste momento concluiu-se a fase da formulação, sendo necessário tempo para perceber como, na prática, o desenho das medidas vai ser concretizado.