O novo secretário-geral do PCP comparou a Rússia a um "cão atiçado" pelos Estados Unidos, pela NATO e pela União Europeia e sublinhou que o partido nada tem a ver com as "opções do Governo russo".
Paulo Raimundo distancia assim o partido das decisões do Kremlin e condena a escalada da guerra, mas sublinha que há outros protagonistas que não têm as mãos limpas neste conflito.
"Tenho um amigo de infância e a determinada altura – miúdos de seis, sete anos – ele tinha um cachorrinho. Então a brincadeira que se montou – que era uma coisa completamente absurda – era três crianças que à vez atiçavam o cão. Atiçavam o cão, quando o cão vinha para morder gritavam e o cão, coitado, baixava… A brincadeira era assim. Esse meu amigo, que era o dono do cão, quando foi a vez dele de fazer esse movimento de atiçar o cão, o cão deu-lhe 20 e tal dentadas. Ao dono! E a pergunta é: a culpa é do cão? O cão é culpado desse ato?", elaborou Paulo Raimundo.
O dirigente do partido reconheceu que "esta história pode parecer um bocadinho absurda", mas tem como finalidade "contextualizar" que os Estados Unidos, a NATO e a União Europeia "parecem os três meninos a atiçar o cão".
O secretário-geral do PCP lamentou que se tenha chegado ao ponto de ser necessário clarificar que o PCP "não tem nada a ver com o governo russo": Não há nada que nos relacione com o Governo russo, nem de longe, nem de perto. Não temos nada a ver com as opções de classe do Governo russo. Estamos no dia-a-dia ao combate com essas opções", advogou.
Parte dos que saíram na crise de 2000 "faz muita falta"
O novo secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, defendeu que faz "muita falta" parte dos comunistas que se afastaram na sequência da crise interna que opôs, há vinte anos, os chamados ortodoxos e renovadores.
"Penso que uma parte das pessoas que foram arrastadas nessa dinâmica nos anos 2000, uma parte das pessoas que foram arrastadas e até acabaram por sair, uma parte delas faz cá muita falta porque as suas opiniões são válidas para construir um partido que nós queremos mais forte", declarou.
O novo secretário-geral comunista concedeu que, na altura dessas discussões, nas vésperas do Congresso de 2000, [ano em que subiu à Comissão Política do PCP] sobre qual deveria ser o rumo do partido, se posicionou "do lado dos ortodoxos", ressalvando que considera a designação "simplista" e sem "correspondência com o conteúdo desse debate".
"Posicionei-me naquilo que eram as posições do partido e da JCP, que coincidiam com as minhas. Foi um posicionamento fácil num debate exigente e muito difícil", disse.
O dirigente afirmou que, na altura, "havia quem achasse que o partido devia ser outra coisa diferente do que é, e a maioria do partido entendeu que o partido devia continuar com as suas características, natureza e identidade".
Sobre se essa discussão está ultrapassada, Paulo Raimundo afirmou que o PCP é um "partido que afirma a sua identidade e natureza" – marxista-leninista – "mas não trava, pelo contrário, fomenta e discussão e o debate interno".
"Não podemos ficar à espera que nos venham bater à porta"
O secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, reconheceu, em entrevista à Lusa, "insuficiências" na organização interna do partido e advertiu que os militantes não podem ficar à espera que lhes vão bater à porta.
"Nós não podemos continuar a ficar à espera que nos batam à porta", disse Paulo Raimundo, em entrevista à Lusa, afirmando que a Conferência Nacional do passado fim de semana, em Corroios, teve como objetivo "animar" e incentivar os militantes a "tomar a iniciativa".
Questionado sobre que "insuficiências" na organização interna foram identificadas, Raimundo referiu em primeiro lugar o recrutamento de novos militantes, frisando que dos dois mil que entraram recentemente a maior parte são "pessoas que dizem `nós queremos aderir´".
"(...) temos organizações do partido que tem tudo muito organizadinho, com as quotas em dia, tudo organizado, mas com uma desligação ao meio de onde estão. Ou, por exemplo, de que vale uma comissão de freguesia, que tem as quotas em dia, "Avantes!" vendidos, mas depois passa ao lado dos problemas que as pessoas vivem naquela freguesia", apontou.
"Consideramos que é preciso ir mais longe nas organizações do partido nos locais de trabalho, constatamos que não estamos a cumprir, a fazer o que precisamos de fazer no que, para nós, é uma coisa estratégica que é a ligação aos trabalhadores", disse.
Se é verdade que o secretário-geral comunista é "um desconhecido", nas palavras do próprio, para a população em geral, "do ponto de vista do partido, no âmbito dos organismos de direção, nas ligações no trabalho, são muitos anos de relacionamentos e de experiências concretas".
"Admito que nessas relações de trabalho e também nas relações humanas os meus camaradas tenham olhado para mim com características que na opinião deles valiam mais do que propriamente a notoriedade", completou.
Sobre os primeiros dias na qualidade de secretário-geral, Paulo Raimundo disse que tem tentado seguir o conselho que os camaradas lhe deram:
"Há uma coisa que os meus camaradas me disseram, ‘não inventes’. E eu estou a levar isso muito à letra", disse, entre risos.
[Notícia atualizada às 17:44 - lead alterado onde se lia “novo secretário-geral da NATO” foi corrigido para “novo secretário-geral do PCP”]