A deputada socialista Isabel Moreira sugeriu esta quarta-feira que o PS irá optar por confirmar o decreto sobre a morte medicamente assistida, obrigando o Presidente da República a promulgá-lo, em vez de o reformular como fez anteriormente.
"Assim como sempre respeitámos uma e outra, e outra vez a decisão legítima do Presidente da República, os acórdãos do Tribunal Constitucional, chegou a vez de ver respeitada a vontade do parlamento", afirmou a deputada, em declarações aos jornalistas no parlamento, em reação ao veto de Marcelo Rebelo de Sousa.
Interrogada sobre se estava a dizer que o PS tenciona confirmar o decreto, Isabel Moreira respondeu apenas: "Acho que fui claríssima".
A deputada começou por dizer que a declaração em nome do Grupo Parlamentar do PS era feita com "todo o respeito pelo senhor Presidente da República".
"Fica para nós claro que o Presidente da República sabe que o Tribunal Constitucional não encontraria, desta vez, qualquer problema de inconstitucionalidade, no diploma votado, mais uma vez, por uma maioria esmagadora e, por isso, optou por um veto político ainda que um pouco atípico", defendeu.
A constitucionalista considerou que Marcelo, em vez de promulgar o decreto, "optou por um veto com considerações jurídicas, as tais que já foram respondidas ao Tribunal Constitucional".
"A nossa primeira palavra vai naturalmente para os doentes que veem o seu direito a uma morte autodeterminada a ser sucessivamente adiada por acórdãos e vetos que de cada vez, como sabem, levantaram questões novas, quer diretamente, quer por uma matemática complicada de declarações de voto que obrigaram o legislador a uma reflexão jamais vista em diploma legal anterior", acrescentou.
O n.º 2 do artigo 136.º da Constituição da República determina que, em caso de veto de um decreto, "se a Assembleia da República confirmar o voto por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, o Presidente da República deverá promulgar o diploma no prazo de oito dias a contar da sua receção".
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vetou esta quarta-feira o quarto diploma do Parlamento que despenaliza a morte medicamente assistida, pedindo à Assembleia da República que clarifique dois pontos.
"Concretamente, solicito à Assembleia da República que pondere clarificar quem define a incapacidade física do doente para autoadministrar os fármacos letais, bem como quem deve assegurar a supervisão médica durante o ato de morte medicamente assistida",lê-se na carta que o chefe de Estado dirigiu ao parlamento.
Marcelo Rebelo de Sousa argumenta que "numa matéria desta sensibilidade e face ao brevíssimo debate parlamentar sobre as duas últimas alterações, afigura-se prudente que toda a dilucidação conceptual seja acautelada, até pelo passo dado e o seu caráter largamente original no direito comparado".
A reação do Parlamento
Catarina Martins, coordenadora do BE, partido que voto a favor da lei, também defendeu que chegou o momento de confirmar o decreto sobre a morte medicamente assistida, não vendo necessidade de alterações uma vez que o diploma "responde a qualquer dúvida constitucional que possa existir".
Já a Iniciativa Liberal mostrou-se disponível para confirmar o decreto "tal como foi devolvido", pedindo "respeito institucional pela Assembleia da República".
À direita, o presidente do PSD defendeu que ainda há tempo para levar "um texto legislativo consolidado a referendo" sobre a eutanásia após o veto presidencial, criticando o que classificou de "pressa ofegante" dos impulsionadores da legislação.
André Ventura, líder do Chega, afirmou que se a esquerda parlamentar confirmar o diploma, vetado pelo Presidente da República, vai fazer um "péssimo serviço" à democracia.
Parlamento vs. Presidente da República
A última vez que o parlamento confirmou uma lei foi em 2016, já António Costa era primeiro-ministro e Cavaco Silva Presidente da República. Em 16 de fevereiro, uma maioria absoluta de deputados aprovou as leis vetadas no mês anterior por Cavaco Silva, sobre a adoção por casais homossexuais e as alterações à lei da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG).
As alterações à lei da IVG passaram com 119 votos a favor e 97 votos contra, ao passo que a lei da adoção por casais do mesmo sexo foi confirmada com 137 votos a favor, 73 votos contra e oito abstenções.
O documento aprovado
Em 31 de março, a Assembleia da República aprovou o decreto sobre a morte medicamente assistida com votos favoráveis do PS, IL, BE, os dois deputados únicos do Livre e PAN e ainda seis deputados do PSD.
A maioria da bancada do PSD (64 deputados) votou contra, juntamente com cinco deputados do PS e os grupos parlamentares do Chega e do PCP, tendo havido duas abstenções - uma do PS e outra do PSD.
Foi a quarta vez que a Assembleia da República aprovou um diploma sobre a morte medicamente assistida, tema que já tinha sido travado por duas vezes por inconstitucionalidades detetadas pelo TC e uma outra por um veto político do Presidente da República.
O decreto, com propostas de alteração de PS, IL, BE e PAN, estabelece que a morte medicamente assistida só poderá ocorrer através de eutanásia se o suicídio assistido for impossível por incapacidade física do doente.
Os vetos de Marcelo
Marcelo Rebelo de Sousa, eleito Presidente da República há sete anos, usou 26 vezes o veto político e vetou quatro diplomas por inconstitucionalidades, na sequência de pedidos de fiscalização preventiva que submeteu ao Tribunal Constitucional.
Antes, Marcelo vetou, em 30 de janeiro, o decreto do parlamento que despenaliza a antecipação da morte medicamente assistida, como impõe a Constituição, na sequência de decisão do Tribunal Constitucional.