Liberdade significa escolher sem medo de represálias. Significa o poder de dizer, de estar, de querer ou rejeitar. No fundo, trata-se do respeito pelo direito à opção. Para qualquer democrata isto é bom.
Na saúde, não deixa de ser verdade, mas há que reconhecer que a liberdade não pode ser um valor absoluto ou invariável.
Isto acontece no plano individual da liberdade, em que se escolhe a alimentação que se prefere ou o estilo de vida que se leva. Certas opções afetam apenas a saúde da própria pessoa, como o caso da obesidade, doenças cardiovasculares ou pulmonares. Outras opções afetam a vida coletiva, em que a recusa da vacinação é dos exemplos mais nítidos nos tempos atuais.
A liberdade individual não tem como ser absoluta ou invariável, porque esse valor pode pôr em causa a coesão social, económica e política, logo a saúde e bem-estar vistos sob um prisma coletivo. Além disso, comportamentos de risco levam à necessidade de mais recursos financeiros, humanos ou tecnológicos, os quais, por serem escassos e caros, colocam dilemas éticos e problemas de disponibilidade e equidade.
Não há como ter uma leitura simplista sobre qual a melhor forma de lidar com estas tensões, dependendo do problema e da tradição de cada país. A solução tem oscilado entre políticas restritivas (proibição de consumo de tabaco ou álcool ou multas por recusa da vacinação) e políticas de promoção da saúde que educam para escolhas mais informadas e conscientes.
Mas mesmo antes da pandemia da Covid-19, tem havido um gradual aumento de políticas restritivas que limitam liberdades individuais. O ponto aqui não é concordar ou discordar dessas políticas, mas alertar que tem ficado num relativo vazio a discussão sobre os critérios para medidas mais e menos restritivas e as implicações que umas e outras têm tido no modo como os cidadãos se comportam e relacionam com as instituições de saúde.
Depois, há o plano da liberdade da atividade privada, em que esse investimento na saúde é incontornável e cada vez mais necessário. Por muito que custe a alguns setores políticos, não existe evidência internacional de que sistemas de saúde financiados apenas pelo orçamento de estado consigam prestar cuidados de qualidade e atempados de forma universal, geral e tendencialmente gratuita.
Mas a liberdade económica privada não pode ser absoluta ou invariável, porque levada ao extremo não é sustentável nem justa. Pense-se no custo e nas iniquidades em saúde que se encontram nos EUA, país que melhor ilustra este modelo.
Mais uma vez estamos perante tensões e a necessidade de clarificação política acerca de como acomodar os interesses público e privado. Nem sempre há clareza sobre isso. As oscilações entre ministros de um mesmo governo a respeito dos hospitais PPP ou da Lei de Bases da Saúde ilustram o ponto, em particular que a fratura ideológica na saúde não está entre a esquerda e a direita, mas sim dentro do Partido Socialista. Talvez seja nesse espaço político que neste momento mais importaria refletir sobre como governar em valores que contêm naturalmente tensões e contradições.
O que é claro é que o mundo do século XXI – tecnológico, global, envelhecido, com múltiplas doenças crónicas e doenças infeciosas que teimam em persistir – está a construir-se por cima dos problemas do século XX, onde ficaram claras assimetrias geográficas e avanços demasiado oscilantes na melhoria das condições de vida das populações, que são a primeira condição de todas para garantir boa saúde para todos.
É aqui que importa evocar o valor da igualdade. Sendo o pilar da cidadania democrática, que equipara as pessoas apesar de onde nascem e daquilo em que se tornam, sucessivamente tem sido substituída pelo valor da equidade.
Entende-se a urgência de proteger primeiro aqueles que mais precisam e não têm alternativa. Mas isso não pode traduzir-se na subalternização da igualdade pela equidade. Olhando para o número de pessoas que optam por seguros privados e que questionam o pagamento dos seus impostos para financiar o SNS que não utilizam, percebe-se o fosso que a equidade está a causar na solidariedade que fundou o SNS.
Quando se comemora o 25 de Abril temos a obrigação de pensar o que está a ser feito desse projeto de país. Mais do que nunca exige-se parar para pensar sobre o rumo, a consistência e a estratégia da gestão política em saúde, sabendo da importância da saúde e bem-estar para a realização individual das pessoas e para a coesão social e política de que o país precisa. Viva a liberdade.