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Sampaio despediu Vara. Marcelo pode despedir Galamba?

Os Presidentes da República raramente interferem na composição dos governos, mas há exceções e algumas feitas com enorme estrondo.

Sampaio despediu Vara. Marcelo pode despedir Galamba?
José Sena Goulão/Lusa

Mário Soares não deixou Fernando Nogueira ser vice de Cavaco Silva e Jorge Sampaio não aceitou que Paulo Portas fosse MNE de Santana Lopes. Fernando Negrão também foi desviado da pasta da Justiça, com Durão Barroso. E quando um escândalo se abateu sob Armando Vara, Sampaio forçou Guterres a afastar o ministro.

A ideia de ser necessário fazer uma remodelação no atual Governo já foi avançada pelo Presidente do PS, Carlos César. Alguns comentadores ligados ao partido apontaram no mesmo caminho, por causa da imagem do executivo ter sido seriamente abalada e pela difícil manutenção de João Galamba no Governo. Mas Luís Marques Mendes foi mais longe no raciocínio e afirmou que se a remodelação não avançar, terá que ser o Presidente da República a forçá-la, sinalizando que o ministro das Infraestruturas tem que abandonar o executivo.

É raro existir uma interferência presidencial na composição de um executivo, mas há vários casos conhecidos. Um dos mais polémicos - e difíceis de explicar - passou pela recusa de Mário Soares em aceitar que Fernando Nogueira passasse a ser vice-primeiro-ministro nos últimos meses da governação de Cavaco Silva. Nogueira tinha sucedido a Cavaco na liderança do partido, no célebre Congresso do Coliseu de Lisboa, no início de 1995, e Cavaco quis promovê-lo na orgânica do executivo. Soares não aceitou e Fernando Nogueira abandonou o Governo, ficando apenas como líder do PSD.

Pouco conhecida é também a aparente recusa de Jorge Sampaio em aceitar que Fernando Negrão fosse ministro da Justiça do Governo de Durão Barroso, em 2002. Negrão tinha sido diretor da Polícia Judiciária durante um governo PS, tendo sido protagonista de uma crise institucional com o então ministro da Justiça, José Vera Jardim. Avisado do incómodo, Durão Barroso terá refeito a composição do executivo, retirando Negrão da lista. Dois anos depois, Fernando Negrão foi ministro da Segurança Social de Santana Lopes e mais tarde, chegou mesmo a ser ministro da Justiça, no último e episódico executivo de Pedro Passos Coelho, chumbado pela "geringonça" ao fim de poucos dias de existência.

O caso de Paulo Portas é bem mais conhecido. Ministro da Defesa de Durão Barroso desde 2002, quis passar para ministro dos Negócios Estrangeiros, quando Santana Lopes ascendeu a primeiro-ministro, em 2004. Mas Jorge Sampaio não aceitou, alegando duas razões: Portas ainda era percecionado como eurocético e, aos olhos do PR, era um excelente ministro da Defesa. Paulo Portas não gostou, mas acatou, e Santana Lopes nomeou o embaixador António Monteiro para MNE. Portas veio a ser MNE sete anos depois, no Governo de Pedro Passos Coelho.

Mas a interferência mais ruidosa foi, de longe, a demissão forçada de Armando Vara do cargo de ministro da Administração Interna, que Luís Marques Mendes recordou no seu comentário de domingo. Envolto no então escândalo da Fundação Prevenção e Segurança, o ministro ficou sob fogo cerrado da oposição. Num debate parlamentar muito quente e difícil - o governo do PS não tinha maioria, contava com o mesmo úmero de deputados que a oposição -, o primeiro-ministro António Guterres defendeu Armando Vara de todas as formas possíveis. Mas quando já estava a sair da Assembleia, foi chamado de urgência a Belém.

Jorge Sampaio não tinha gostado do que viu no Parlamento e, como Presidente da República, tinha uma mensagem clara para transmitir ao primeiro-ministro: Armando Vara tinha que sair do executivo para não descredibilizar a governação que, nessa altura, já estava no fio da navalha. Foi uma humilhação política para Guterres - que tinha acabado de defender uma tarde inteira o seu ministro - e uma maior humilhação para Armando Vara, que nunca mais perdoou a Jorge Sampaio o afastamento em praça pública, ainda por cima numa deliberada interferência na esfera do Governo.

Com este exemplo, pode Marcelo fazer o mesmo a João Galamba? Pode, se assim o entender. Aliás, Marcelo fez de certa forma o mesmo quando, após duas vagas de incêndios devastadores e mortíferos, "despediu" em direto com discurso duríssimo a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa. A ministra já tinha pedido para sair do Governo, mas depois do discurso do Presidente, a saída foi inevitável e imediata. Até agora, o Presidente não quis falar do caso nem do estranho recurso ao SIS para recuperar um portátil, mas quando o fizer saberemos o que vai acontecer.