Quem, durante a semana, entrou pelo portão principal da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa, foi surpreendido por um “acampamento” improvisado, montado no pátio da instituição. O protesto tem sido notícia por várias razões, desde detenções a acusações de “repressão”, e até pela expulsão da deputada do Chega Rita Matias. Mas, afinal, o que se está a passar?
As faixas denunciam o motivo do protesto: “Não há paz até ao último inverno de gás!”. As tendas foram montadas na segunda-feira, dia 13, num protesto organizado pela Greve Climática Estudantil contra as políticas governamentais sobre o uso de combustíveis fósseis.
A ocupação está prevista durar até 24 de novembro, dia em que os estudantes deixam as instituições de ensino rumo ao edifício do Ministério do Ambiente e da Ação Climática – o qual pretendem ocupar como culminar do protesto
“A onda de ocupações é de duas semanas, mas o protesto não termina até termos um futuro garantido”, afirma Beatriz Xavier em declarações à SIC Notícias. “No final, temos uma ‘visita de estudo’ ao Ministério do Ambiente e da Ação Climática. Queremos ocupar o Ministério e estamos a convocar as pessoas para se juntarem à manifestação, em apoio aos estudantes”.
As reivindicações já são conhecidas. O “fim aos combustíveis fósseis até 2030” e a criação de “eletricidade 100% renovável e acessível até 2025”, numa manifestação contra o “negócio” no setor da energia.
“A energia é um negócio e não garante o que é um direito básico. A energia tem de ser acessível a todos. Só isso nos vai trazer uma transição energética justa”, afirma Beatriz Xavier.
Além da FCSH decorrem, em simultâneo, ações de protesto em vários estabelecimentos de ensino, entre elas as Faculdades de Letras e Psicologia da Universidade de Lisboa, na Universidade de Coimbra, mas também na escola secundária Filipa de Lencastre e no Liceu Camões (ambos em Lisboa).
Nos últimos meses, os diversas ações de protesto em defesa do clima têm marcado a atualidade. Os ministros Duarte Cordeiro e Fernando Medina foram atacados com tinta, enquanto os buracos de um campo de golfe em Lisboa foram tapados.
A fachada da loja da Gucci na Avenida da Liberdade foi partida, assim como o vidro que protegia um quadro no Centro Cultural de Belém (CCB). Além disso, ativistas cortaram a circulação em várias estradas da cidade de Lisboa e uma jovem colou-se a um avião da TAP.
Pelo menos seis pessoas detidas
O primeiro dia dos protestos na FCSH ficou marcado pela detenção de seis ativistas. A polícia foi chamada à instituição de ensino depois dos estudantes se terem recusado a sair da propriedade da faculdade.
“Ocupamos a FCSH no dia 13, montámos as nossas tendas, fomos para dentro do edifício C com o intuito de dormir na faculdade, como já tinha sido feito no ano passado”, conta Beatriz Xavier. “A direção abordou-nos e disse que tínhamos de sair. Estávamos a ocupar, íamos dormir na faculdade que é nossa”, acrescenta.
Os ativistas acusam a FCSH de “repressão” e afirmam que a polícia “utilizou técnicas de tortura” para obrigar os manifestantes a sair. Num comunicado, enviado terça-feira às redações, dizem que os agentes “torceram braços e pulsos, estrangularam pessoas contra a parede, puxaram cabelos, e fizeram pressão nos olhos de um estudante”, enquanto “dois membros da faculdade (um porteiro e um assessor de imprensa) assistiram a estas torturas e não intervieram”.
“Estávamos a resistir, estávamos a não cooperar”, garante a ativista, acrescentando que também na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa ocorreu a detenção “de duas estudantes que estavam a dar uma palestra sobre alterações climáticas e de uma que estava a assistir”.
A SIC Notícias contactou a PSP para verificar as alegações dos ativistas, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo.
No comunicado divulgado pela comunidade estudantil a 14 de novembro, a direção da FCSH explica que na manhã do primeiro dia de protesto “foram destruídos equipamentos do sistema de deteção de incêndio, o que coloca gravemente em causa a segurança de quem utiliza as instalações”.
Refere ainda que, “ao longo do dia, as tentativas de diálogo com o grupo de ativistas foram ignoradas”.
“Face às situações descritas e no cumprimento das normas em vigor, as instalações da FCSH encerraram no horário habitual, às 23h00, não tendo havido permissão para a permanência nas instalações de quem, para tal, não tem autorização prévia”, pode ainda ler-se.
Os ativistas reuniram com a direção da faculdade na terça-feira, tendo a direção avançado “com uma proposta de compromisso que permite que o um grupo de estudantes permaneça na faculdade”. Para tal, foi feito “um pedido assinado por todos os elementos do grupo” onde se comprometiam “a não danificar as instalações e a não interferir com o normal funcionamento da instituição”. O compromisso seria “avaliado diariamente e definitivamente revertido logo que não cumprido”.
No entanto, esta sexta-feira, a faculdade voltou a ser alvo de vandalismo por parte dos ativistas, que pintaram o mote “fim ao fóssil” nos vidros e paredes dos edifícios da instituição. Também na fachada da faculdade, cita na avenida de Berna, foi pintada a frase “Valores de Abril só na fachada. Lutar pelo clima não é crime”.
“Acordamos com uma situação nova que foi vários danos ao nível das pinturas efetuadas nos edifícios, uma tentativa de bloqueio de um edifício para impedir a realização de aulas, mas a mensagem principal é que nós continuamos a funcionar dentro da normalidade - acrescento - possível. Todas as atividades letivas estão a decorrer na FCSH”, garante Rui Pedro Julião.
Repressão por fecho de portão? Direção nega
No dia seguinte, os estudantes afirmam que a FCSH fechou as portas pelas 21:20, “mais de uma hora antes do fecho oficial”. Quem estava no exterior da faculdade não podia entrar. Quem estava no interior poderia sair, mas sem hipótese de regresso.
Uma turma de mestrado (cujas aulas pós-laborais ocorrem em regime noturno) foi surpreendida pelo fecho do portão, tendo sido impedidos de retornar ao interior do estabelecimento de ensino. Nas redes sociais, a professora explicou que a situação deixou o grupo ficou “intrigado”.
“Ficámos a saber que a faculdade, que tem de estar aberta até às 23:00, considera que há uma situação excecional, que é a luta de alguns estudantes devido às alterações climáticas, e que entendeu que era uma situação que requeria alguma contingência, fechou os portões – só se pode sair e não entrar”, conta a docente.
Perante a situação, grande parte da turma, inclusive a professora, mostrou-se solidária com os manifestantes, acabando por ficar no interior da faculdade.
“Estas pessoas que aqui estão ficam separadas do mundo exterior. Se precisarem de alimentos, ninguém lhes pode vir trazer uma sopa quente. Estas pessoas ficam muito mais vulneráveis e entendemos que não poderíamos sair daqui assim, sem mais.”
Mais acrescenta que a Universidade Nova de Lisboa, tendo sido “criada a seguir ao 25 de Abril”, é uma instituição que “se orgulha da genealogia democrática”.
“Um movimento de estudantes não é algo que tenha de ser temido, não é um conjunto de criminosos e as pessoas não podem ficar fechadas do mundo. As universidades têm de funcionar de portas abertas.”
Também Beatriz Xavier acusa a faculdade de “repressão”: “As nossas faculdades estão a tornar-se espaços repressores dos alunos e isto não nos representa de qualquer maneira.”
À SIC Notícias, a FCSH nega que os portões tenham sido fechados antes da hora prevista, garantindo que a instituição "permitiu as entradas e saídas de pessoas até ao seu horário de encerramento, as 23:00”. Confirma, no entanto, que houve medidas de carácter excecional.
“Considerando a situação excecional de ativistas a pernoitarem no campus, autorizada pela direção da faculdade, torna-se necessário garantir a segurança do espaço e das pessoas que nele permanecem. Face a esta situação, a partir do horário de encerramento dos serviços e não existindo atividades letivas a iniciar-se, procedeu-se ao necessário controlo do acesso ao campus."
Perante as acusações de “repressão”, o subdiretor da faculdade, Rui Pedro Julião, garante que “a FCSH é um espaço de liberdade” e que a instituição “tem tolerância para que haja manifestações dentro do seu espaço, dentro dos limites do razoável”.
Juventude do Chega impedidos de entrar
O movimento Greve Climática Estudantil, em conjunto com a associação de estudantes da FCSH, agendou um protesto para a tarde desta quinta-feira. Segundo os ativistas, cerca de 150 estudantes juntaram-se numa manifestação de apoio à ocupação. Contudo, o momento ficou marcado por um confronto com um grupo de militantes da Juventude do Chega, nos quais se incluía a deputada Rita Matias.
Os elementos do Chega terão chegado à faculdade para distribuir folhetos com mensagens que destoavam do protesto em curso no interior da instituição. A situação não agradou aos manifestantes, que impediram a entrada do grupo, gritando palavras de ordem como “fascistas, fascistas, não passarão”.
A polícia voltou a ser chamada ao local, desta vez pelo o grupo de militantes do Chega. Segundo Beatriz Xavier, dois estudantes foram identificados pela autoridade. Mais tarde nesse dia, a deputada Rita Matias admitiu que iria apresentar queixa por agressão, avançou o Diário de Notícias.
A direção da faculdade confirma que a PSP foi chamada ao campus pelo grupo do Chega, avançando que a situação foi acompanhada “em permanência", promovendo-se “o diálogo entre as partes, no sentido de pacificar e manter a segurança de todos”.