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Primeiro Natal depois do divórcio: pais não devem substituir "ausência por maior quantidade de prendas"

Quando o conceito de família se altera, como é que os pais devem abordar o assunto com os filhos, sobretudo numa quadra como o Natal? A psicóloga Teresa Feijão explica que “o que faz com que a época natalícia seja vivida de forma positiva ou negativa pelas crianças é efetivamente a forma como os pais lidam com a situação” e deixa algumas dicas sobre como ultrapassar divergências por um interesse superior: o bem-estar das crianças.
Primeiro Natal depois do divórcio: pais não devem substituir "ausência por maior quantidade de prendas"
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- Há uma forma certa ou errada de abordar o tema do divórcio com os filhos?

O fim de um casamento implica a necessidade de um luto, quer para o casal quer para os filhos, uma vez que implica a perda de uma rotina em conjunto e dos papéis construídos dentro do contexto familiar. Para os filhos, um divórcio representa uma grande mudança, muitas vezes traumática, já que reflete a perda da sua família como um todo.

A principal dificuldade, no entanto, é entender, na prática, como a sua vida vai mudar. Por isso, é fundamental conversar com as crianças, independentemente do momento e da idade. Elas sentem necessidade de encontrar um significado para o que estão a viver.

Por isso, é importante reunir a família assim que algumas decisões já estiverem tomadas. Mas só contar aos filhos quando o casal tiver certeza da decisão. Se a opção do casal for pela guarda partilhada, tendo os dois as mesmas responsabilidades e decisões sobre a vida do filho e implicando igual tempo da criança com cada um dos pais, é importante esclarecer como será a nova rotina da criança.

Os detalhes importantes a ter em conta ao abordar uma separação (independentemente das idades):

  • Evitar brigas e discussões na frente da criança;
  • Embora a criança não precise saber de todos os detalhes, a clareza e a verdade são fundamentais;
  • É importante isentar a criança de qualquer culpa na decisão do casal;
  • Escutar o que a criança tem a dizer, incentivando-a a expressar dúvidas, medos e angústias;
  • Deve ser claro para a criança que o divórcio é conjugal e não parental. Quanto melhor for esta separação entre o papel conjugal e o papel parental, melhor o ajustamento da criança à sua nova rotina e realidade. Isso requer que os próprios pais separem aquilo que pertence ao ex-casal daquilo que envolve os seus filhos. Procurar manter uma relação cordial e de respeito com o(a) ex-companheiro(a), mesmo que existam mágoas e ressentimentos é crucial. As mágoas entre o casal não devem misturar-se com a postura que deverão ter enquanto pais. Ao ser transmitida segurança às crianças promove-se a sua estabilidade emocional.


- Como é que um pai ou uma mãe se pode preparar para passar o primeiro Natal sem a família reunida?

As festividades natalícias remetem para sentimentos muito fortes de união, de partilha, de alegria, de reencontro, de aproximação. É uma experiência fortemente simbólica, única em cada família e para cada elemento da família. Mas um divórcio pode afetar bastante o espírito natalício.

As ruturas familiares podem nem sempre ser pacíficas, sendo muitas vezes marcadas por sofrimento, ressentimento e incompreensão. Assim, o Natal depois do divórcio pode ter contornos difíceis, que implicam uma maior gestão emocional e reorganização das rotinas.

Nas famílias em que há um divórcio recente, há a necessidade de uma nova organização, de um novo equilíbrio, até de uma nova identidade e o que se sente nesta época pode ser o oposto do que se deseja sentir, uma vez que o simbolismo do Natal choca com os processos psicológicos do luto de uma separação. O espírito de união confronta-se com a desagregação que as famílias separadas e divorciadas têm de resolver.

O que faz com que a época natalícia seja vivida de forma positiva ou negativa pelas crianças é efetivamente a forma como os pais lidam com a situação.

É crucial fazer com que a criança saiba e sinta que a separação daqueles dois adultos, não implica a separação dos pais de si mesma. Se o Natal é a festa da família, a grande responsabilidade dos pais e mães é fazerem o que estiver ao seu alcance para garantir que as necessidades afetivas dos filhos sejam preenchidas. É preciso normalizar as coisas e encarar o Natal depois do divórcio na perspetiva de existirem 2 famílias para gerir. É importante para todos que estes momentos sejam partilhados de igual modo por ambas as partes da família.


Como abordar o tema:

  • Conversar com os filhos antes do Natal - de forma a perceber as expectativas da criança, responder aos medos e às angústias que possam ter e entender os seus conflitos internos perante a recente separação dos pais; e depois do Natal - para lhes dar espaço para expressarem as suas emoções, positivas e negativas, retirando experiências para a quadra seguinte ou para outros momentos semelhantes;
  • Antecipadamente, fomentar momentos com significado em conjunto com os filhos, como por exemplo fazerem juntos as decorações de Natal, criando momentos de intimidade e partilha. Esta pode ser uma excelente oportunidade para conversarem acerca dos medos e dúvidas dos filhos em relação à situação;
  • Se possível, tentar negociar a noite de Natal com um dos pais e o dia 25 com o outro. Esta divisão deverá continuar a ser feita anualmente, para que a situação seja mais organizada para a criança. Contudo, poderá haver exceções, em situações em que num dos lados da família a criança possa passar o natal com outras crianças e no outro lado ela ser a única no meio de adultos, então o melhor para ela poderá ser passar sempre o dia 24 com o lado em que tem mais crianças e ir almoçar com a outra parte da família no dia 25;
  • É importante que todos se mantenham empenhados em garantir que os rituais que já faziam parte do imaginário das crianças possam continuar a existir, ainda que com a periodicidade adaptada à nova realidade ou com os devidos ajustes;
  • Na noite de Natal, há que permitir e incentivar que a criança entre em contacto telefónico com o pai/mãe ausente. Este contacto tornará a distância menos pesada. É muito importante falar com ela de forma alegre e transmitindo segurança e tranquilidade. Deste modo, a criança não se sentirá tão dividida entre estes dois cenários;
  • É muito importante que os pais não tentem substituir a sua ausência por uma maior quantidade de prendas;
  • Após a noite de Natal, questionar com naturalidade acerca da consoada, sem interrogatórios ou críticas, é importante para perceber como a criança se sentiu e como está a gerir as suas emoções.


- Se um filho recusar ir para a casa prevista durante o Natal, deve ser forçado a tal?

Muitas vezes, a recusa em ir com o pai (ou mãe) ocorre por traumas psicológicos causados pelo processo de separação do casal. Também por uma questão de afastamento, decorrente da distância física, por exemplo.

No entanto, não se deve obrigar a criança a ir se ela não quiser. Mesmo que haja uma decisão judicial que regulamente a questão da guarda do filho.

Não há como reverter a questão do afeto judicialmente, ou seja, a decisão do tribunal não pode forçar a criança a cumprir com os dias e horários de visita, mesmo que isso esteja estipulado judicialmente. Este deverá ser um processo gradual, respeitando o luto e ritmo de aceitação da criança quanto à separação.

- Que impacto terá no futuro privar os filhos de estarem com o pai ou a mãe, incluindo em épocas festivas?

Privar os filhos de estar com o pai ou a mãe nestas quadras ou em qualquer outra situação pode influenciar futuros comportamentos, pensamentos, crenças, capacidade de gerir emoções, relacionamentos e a dinâmica de conceito de núcleo familiar.

- E quando é o pai ou a mãe a rejeitar passar estes momentos com os filhos?

O facto de uma criança ser rejeitada pelo pai, pela mãe ou por ambos, deixa marcas na sua personalidade, difíceis de superar. O amor dos pais é a maior referência de personalidade e uma orientação para a vida que vai ajudar a determinar o sucesso nas mais variadas áreas.

As crianças rejeitadas veem o seu bem-estar psicológico ameaçado, uma vez que essas circunstâncias geram ansiedade significativa.

Algumas das consequências que essa rejeição pode ter são:

  • Aumento da raiva e da agressividade;
  • Auto-imagem negativa;
  • Sintomas de ansiedade e tristeza;
  • Manifestações psicossomáticas (dor de cabeça, dor de estômago, insónia, etc.);
  • Dificuldades nos relacionamentos interpessoais;
  • Isolamento social;
  • Perda de interesse, desmotivação e falta de energia;
  • Problemas de concentração e atenção;
  • Dificuldades de aprendizagem e problemas na escola;
  • Incapacidade de valorizar o que tem;
  • Problemas de autoestima.

Como tal, o pai ou mãe deve estar atento a estas eventuais manifestações.

- Como preparar os filhos para uma nova relação dos pais?

Em geral, o aparecimento de um novo companheiro é sentido como uma ameaça para os filhos. Aos seus olhos é inevitável que esta mudança na vida do pai ou da mãe implique mudanças para a sua própria vida e isso pode ser para si assustador. As crianças gostam de consistência e de estabilidade. O aparecimento de novas rotinas (e novas regras) é quase sempre percecionado por elas como uma ameaça.

É importante que não se tente mudar tudo em pouco tempo e que os hábitos que contribuem para o bem-estar das crianças se mantenham.

Em geral, não é aconselhável apresentar o novo parceiro pouco tempo depois da separação. É importante lembrar que o divórcio é uma perda muito significativa para a criança – muitas vezes traumática – e que todas as perdas requerem um luto. Os adultos podem tentar respeitar o luto da criança e apresentar a nova pessoa numa altura em que a criança esteja mais preparada.

Cada pai ou mãe conhece os seus filhos e, se prestar atenção, vai conseguir escolher o momento. Antes de qualquer encontro, é essencial que haja uma conversa com os filhos para os preparar. Os pais e mães podem aproveitar o momento para expor os seus sentimentos e a sua vontade, mas também para ouvir os filhos em relação às suas emoções e às dúvidas que possam surgir.

Preferencialmente, deve-se tentar que o primeiro encontro seja curto - as crianças vão precisar de tempo para se ligarem a este novo adulto e a adaptação é mais fácil se não houver a imposição de ter de passar logo muito tempo ao lado daquela pessoa.

Os adultos sabem que o novo companheiro não vem substituir o outro progenitor e é crucial agirem e comunicarem nesse sentido. Mas as crianças podem sentir conflitos de lealdade, pelo que é muito importante que se converse com elas para assegurar que o novo namorado não vai tentar substituir o outro progenitor, mesmo que este esteja ausente.


- Como preparar a restante família - sobretudo os avós - para um primeiro Natal após o divórcio?

A presença dos avós quando os pais se divorciam tem uma importância sobretudo afetiva, que contribui para a manutenção dos laços familiares, visto que as crianças ficam muito fragilizadas nestes momentos.

Como tal é muito importante que o ex-casal converse com os respetivos pais sobre a separação e sobre a forma como se organizarão as novas rotinas e como passarão a ser as quadras festivas.

A parte moral, educacional, a gestão das rotinas e bons hábitos podem ser mantidos pelo pai/mãe que detém a guarda das crianças. Mas os avós podem contribuir de forma especial com afetividade, através de abraços, companhia, brincadeiras e passeios, formas de alegrá-las e tornar menos dolorosa a lacuna deixada pela separação dos pais. É crucial que os avós evitem envolver-se na comunicação entre o ex-casal, incitar eventuais conflitos e deixarem-se afetar em demasia pelo turbilhão emocional que os seus filhos (pais das crianças) vivem nestes momentos.



Dicas para os avós lidarem com o divórcio dos pais:

  • Além do apoio afetivo, os avós podem exercer o papel de mediadores entre pais e filhos, conversando com os netos para que possam ter um melhor entendimento da situação que estão a viver e ajudando a esclarecer sentimentos e pensamentos;
  • Evitar cair na tentação de “compensar” a criança, por exemplo, fazendo-lhe todas as vontades, só porque sim, e por saber que o neto pode estar a passar por um período emocionalmente mais exigente;
  • Manter-se presente e disponível como até então;
  • Manter os rituais habituais anteriores das quadras festivas (como o Natal, Páscoa, etc.). Procurar ser um modelo de calma, compreensão e respeito;
  • Não tomar partidos e, jamais, dizer coisas depreciativas a propósito de qualquer um dos progenitores à criança. A este propósito, tentar guardar as suas opiniões para si;
  • Procurar remeter as dúvidas que a criança possa ter sobre o divórcio para os seus pais;
  • Dar espaço à criança para expressar aquilo que pensa ou sente, sem que se sinta julgada ou criticada. Essencialmente, estar disponível para escutar, sem precisar ter “soluções” para lhe dar;
  • Validar todas as emoções que a criança expresse, mesmo que a si lhe possam parecer estranhas, exageradas, despropositadas, tentando validar e ajudar a criança a dar nome ao que sente;
  • Acima de tudo, procurar oferecer ao neto um valioso contexto de proteção e carinho, que o ajudará a lidar de forma mais tranquila com a separação dos seus pais.