O jornalismo está em crise em Portugal. O Grupo Global Media (GMG) que detém o Jornal de Notícias, o Diário de Notícias, a TSF e O Jogo, entre outros, anunciou um eventual despedimento coletivo de centenas de pessoas pelo perigo de insolvência da empresa. Isto desencadeou greves, salários em atraso e um braço de ferro entre jornalistas e administração. O que aconteceu, então?
Desde o início de dezembro que as notícias sobre jornalistas do Grupo Global Media tem aumentado, seja por reivindicações de salários em atraso ou precários, seja depois por anúncios internos feitos pela administração que põem em causa a carreira e profissão de centenas de jornalistas.
O administrador “fantasma”?
O Grupo Global Media é controlado por um fundo de investimento norte-americano registado num paraíso fiscal.
No final de julho deste ano, o fundo de investimento World Opportunity Fund, com sede nas Bahamas, um chamado "paraíso fiscal", passou a deter 51% do capital social da Páginas Civilizadas, a qual controla, direta e indiretamente, 50,25% da Global Media e 22,35% da agência de notícias Lusa.
"Com a formalização da venda, a gestão executiva do GMG foi entregue a novos administradores e ao novo investidor, não tendo os signatários qualquer responsabilidade nas decisões executivas, entretanto tomadas pela nova administração", sustentam Marco Galinha, Kevin Ho, José Pedro Soeiro e Mendes Ferreira.
Já foram pedidas informações adicionais ao procurador daquele fundo pela ERC, para clarificar o nome e a respetiva percentagem de participação dos detentores de unidades no fundo.
Na informação disponibilizada no Portal da Transparência, o fundo identificou como órgãos de administração a sociedade UCAP Bahamas Ltd e o francês Clement Ducasse.
Questionada sobre quem pode deter órgãos de comunicação social, Helena Sousa, presidente da ERC, apontou que a questão não está dentro da capacidade de ação da ERC, mas merece debate político, manifestando a disponibilidade do regulador para apoiar o parlamento nesse sentido.
A primeira gota
A GMG anunciou a 6 de dezembro o eventual despedimento de 150 a 200 jornalistas por parte do Grupo Global Media, que detém o JN e outros órgãos de comunicação social, como O Jogo e a TSF.
Desses 150 a 200 jornalistas, 40 pertencem ao JN, 30 à rádio TSF e um número indeterminado do jornal desportivo O Jogo.
A Administração do GMG abriu também um programa de rescisões por mútuo acordo para trabalhadores até 61 anos, com contrato sem termo, sendo que as compensações serão divididas por 18 meses, segundo um comunicado interno, noticiado a 11 de dezembro.
As greves e os salários
No início do mês de Dezembro os jornalistas do Jornal de Notícias entraram em greve durante dois dias e o Jornal de Notícias ficou fora das bancas.
Os ordenados de novembro foram pagos em atraso e o subsídio de Natal vai ser pago em duodécimos, ao longo dos próximos 12 meses.
O Grupo já anunciou que não tem capacidade para pagar os salários de dezembro aos jornalistas.
"Apesar dos esforços desenvolvidos ao longo das últimas semanas no sentido de assegurar em tempo útil o processamento dos salários referentes ao mês de dezembro, a Comissão Executiva vê-se obrigada a informar todos os trabalhadores do Global Media Group não existirem, à data de hoje [28 de dezembro] , condições que permitam o pagamento dos salários deste mês", lê-se numa comunicação interna, a que a agência Lusa teve acesso.
Para esta situação contribuiu, segundo a empresa, o "inesperado recuo" do Estado no negócio para a compra das participações que o grupo tem na agência Lusa, a "injustificada suspensão" da utilização de uma conta caucionada no Banco Atlântico Europa há seis anos e de "todo o aproveitamento político-partidário" feito em redor da Global Media.
A Comissão Executiva não se comprometeu com qualquer data para pagar os salários de dezembro, mas sublinhou que está a fazer "todos os esforços" para que o atraso seja o menor possível, e garantiu ainda estar a adotar medidas para garantir a sobrevivência e normalização de procedimentos, de modo que, a partir de janeiro, possam "salvaguardar a viabilização e s salvação das diferentes marcas" do grupo.
Demissões em bloco
Depois, a direção da rádio da TSF, que assumiu funções a 2 de outubro de 2023, demitiu-se em bloco.
Na altura da contratação da nova administração, a GMG admitiu que "nos últimos 10 anos, a TSF - Rádio Jornal Notícias acumulou sucessivos passivos, na ordem dos 10 milhões de euros. Só este ano e até setembro o prejuízo cifra-se em 1,3 milhões de euros, valor esse idêntico ao encerramento de contas de 2022, existindo a previsão que até final deste ano possa atingir um valor de cerca de dois milhões de euros".
A GMG seguidamente anunciou que ia negociar "com caráter de urgência" rescisões com 150 a 200 trabalhadores e avançar com uma reestruturação para evitar "a mais do que previsível falência do grupo".
Depois, juntaram-se as direções do JN e de O Jogo que se demitiram contra o despedimento coletivo.
A ação
A redação do Jornal de Notícias decidiu, em plenário, tomar todas as diligências para uma eventual ação judicial contra o Global Media Group (GMG) e preparar ações de luta conjuntas com outros títulos e restantes áreas da empresa.
Entretanto, o Sindicato dos Jornalistas (SJ) fez uma exposição à Inspetora Geral da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), solicitando a intervenção da entidade na fiscalização de "várias irregularidades" no grupo de media.
Jornalistas de todo o país já angariaram mais de 10 mil euros e ajudaram 37 dos precários do Global Media Group (GMG), que continuam sem receber os pagamentos referentes ao mês de outubro, segundo um comunicado.
Para o dia 10 de janeiro está a ser pensada uma greve geral. Deverá ter adesão total e confirmar-se, nesse dia, o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias não estarão nas bancas e a TSF deverá estar sem emissão.
GMG aponta culpas
Os acionistas do Global Media Group (GMG) Marco Galinha, Kevin Ho, José Pedro Soeiro e Mendes Ferreira afirmaram esta sexta-feira que foi o "manifesto incumprimento" de obrigações pelo World Opportunity Fund que impediu o pagamento de salários aos trabalhadores.
"Existe uma situação de manifesto incumprimento por parte do World Opportunity Fund, Ltd quanto a obrigações relevantes dos contratos, que, ao não ter ocorrido, teria permitido o pagamento dos salários e o cumprimento de outras responsabilidades da empresa", sustentam estes acionistas num comunicado.
No "esclarecimento aos acionistas" divulgado, Marco Galinha, Kevin Ho, José Pedro Soeiro e Mendes Ferreira garantem que irão "recorrer a todos os meios ao seu dispor para exercer os direitos legais e contratuais que lhes assistem" e "de tudo fazer quanto estiver ao seu alcance para restaurar a credibilidade do GMG e das suas marcas, honrando a história do grupo".
Referindo que "têm acompanhado com atenção e grande preocupação" o anúncio do não pagamento de salários aos trabalhadores e prestadores de serviços do grupo, bem como as declarações relativas à atual situação financeira do GMG, os signatários asseguram que o processo de venda das participações ao World Opportunity Fund "decorreu com respeito de todas as regras de 'compliance' e de boa governança normalmente exigidas nesta tipologia de negócios".
Segundo salientam, foi, nomeadamente, realizado "um extenso e transparente processo de 'due diligence' económico-financeiro por parte do novo investidor".
O poder político
O Governo manifestou esta quinta-feira perplexidade com as dificuldades financeiras alegadas pelo Global Media Group (GMG) para o não pagamento dos salários de dezembro, lembrando a intenção de "investimento no jornalismo" do novo acionista, quando este entrou no grupo.
Já o Presidente da República afirmou que tem acompanhado, através da sua Casa Civil, o "momento muito difícil" do Global Media Group (GMG), detentora de "grandes títulos" como o Diário de Notícias, Jornal de Notícias e TSF.