"Regressados do Frio", os cientistas que portugueses que participaram na primeira expedição científica portuguesa em veleiro à Península Antártica partilharam a sua experiência inédita no passado dia 7 de junho. No Auditório TTC@ULISBOA na Cidade Universitária, foi montada uma exposição com as fotografias e material dos cientistas e até a temperatura do ar condicionado estava adequada: "É polar. É uma experiência imersiva", comentou alguém com graça.
A missão COASTANTAR 2024 teve lugar no passado mês de fevereiro, durante o verão polar. A bordo trabalhou e conviveu durante duas semanas uma equipa interdisciplinar e internacional que reuniu 11 investigadores das áreas das ciências naturais e sociais, uma realizadora que fará um documentário e a tripulação.
Uma viagem de desafios e superação
Três meses após o regresso da Antártida, os cientistas da COASTANTAR 2024 partilharam sobretudo as suas experiências e os desafios de viver e trabalhar na zona mais fria do mundo. Quanto aos resultados científicos, só poderão ser determinados e divulgados depois do estudo das amostras recolhidas.
A expedição, que contou com vários anos de preparação e uma equipa de investigadores de diversas universidades portuguesas, enfrentou desafios extremos, como as temperaturas sempre negativas, os ventos fortes ou o gelo marinho que cai dos glaciares, além da (muito baixa) velocidade de navegação: "3 nós é um caracol!", brincam os cientistas.
A logística complexa incluiu uma avaria no gerador, que resultou na perda total de um dia, o espaço exíguo para os vários projetos científicos a bordo no veleiro e vários atrasos para alcançar objetivos e compromissos, pelas mais variadas razões.
Mas o espírito de entreajuda dominou toda a viagem, ultrapassando as dificuldades enfrentadas no continente gelado.
As más surpresas à chegada à Antártida
Durante a apresentação, os coordenadores da expedição explicaram que Portugal, apesar de ser apenas um observador no Tratado para a Antártida, demonstrou um grande compromisso com a ciência polar.
Através de 10 projetos interdisciplinares a bordo, abrangendo áreas das ciências naturais e sociais como a monitorização de glaciares e do permafrost até arquitetura e sustentabilidade na região polar e geopolítica, segurança e governação do Ártico e da Antártida, Portugal contribui "para os avanços da investigação na Antártida, com o objetivo de aprofundar o conhecimento sobre o nosso planeta".
Mesmo não tendo ainda analisado as amostras recolhidas no local e que chegaram no início de junho a Portugal, os cientistas revelaram as primeiras conclusões que tiraram "a olho nu".
As descobertas importantes incluíram o recuo significativo de glaciares, mudanças contínuas e falésias instáveis e a expansão da vegetação em algumas áreas, indicando mudanças climáticas rápidas e de grande impacto.
"Os verões com neve deram lugar a verões com chuva", destacou o coordenador da expedição Gonçalo Vieira, investigador no IGOT.
A equipa também monitoriza o permafrost antártico desde 2015, revelando alterações surpreendentes nos últimos cinco anos.
"Foi a 14ª vez que fui à Antártida e fiquei muito surpreendido com as mudanças nos últimos cinco anos, sobretudo nos glaciares", lamentou Gonçalo Vieira.
A rápida redução do gelo marinho também foi motivo de surpresa e preocupação. A comunidade científica ainda não consegue explicar a razão.
"É urgente perceber o que se passa na Antártica", alertam os cientistas, salientado as repercussões na totalidade do planeta.
Grandes preocupações são também o turismo de massas com os enormes navios de cruzeiro a levarem cada vez mais turistas e a causarem cada vez mais poluição e ainda a gripe das aves que está a afetar os pinguins.
A doença foi detetada pela primeira vez no continente gelado em março. Desde então foi detetada em populações locais de pinguins e corvos-marinhos e há suspeita de que milhares de pinguins-de-Adélia tenham morrido devido ao vírus.

A importância de manter a "Antártida pristina"
A expedição visitou várias ilhas da Península Antártica onde já existem projetos portugueses em andamento com colaborações internacionais, como a ilha rei George - onde Portugal tem o projeto Polar Lodge -, a ilha Livingston, monitorização de glaciares, ou a ilha Deception, uma ilha vulcânica que sofreu uma erupção em 1970 e que a cientista Joana Batista, com o projeto THAWIMPACT, monitoriza para perceber se, desde então, houve formação de solo gelado.
Pedro Guerreiro, investigador do Centro de Ciências do Mar (CCMAR) da Universidade do Algarve, destacou mudanças na corrente circumpolar antártica, que "está a ficar mais quente, menos salina, mais poluída e com mais pesca e mais invadida".
"Com o aquecimento, a corrente vai enfraquecendo, vai deixando entrar poluentes e outros animais", explicou.
Desafios geopolíticos e diplomáticos
A investigadora Sandra Balão voltou a abordar a importância do Sistema de Tratados da Antártida que determina a região como "uma zona de ciência e de paz", mas que está em perigo.
Coordenadora do Projeto SCANTAR, a docente no ISCSP-ULisboa mencionou os desafios do turismo crescente e as ambições de algumas nações de explorarem recurso naturais valiosos e escassos, como é o caso da Rússia que, ao ter descoberto novos recursos energéticos fósseis, demonstrou interesse em explorá-los, contrariando as normas.
Organizado pelo Programa Polar Português (PROPOLAR) e pelo Colégio de Ciências Polares e Ambientes Extremos (POLAR2E) da Universidade de Lisboa, este encontrou destacou a importância da investigação científica em ambientes extremos e o papel de Portugal na comunidade global de ciência polar. Para os investigadores, a expedição COASTANTAR 2024 representa um marco significativo para a ciência portuguesa e abre novas portas para futuras investigações na Antártida.