Há uns tempos viajei num comboio com 20 carruagens, era o mais comprido que já tinha visto, media cerca de meio quilómetro, mais a locomotiva. A carruagem onde estava era a número zero e parecia ter sido tirada de um filme soviético qualquer. Uma das minhas companheiras de compartimento era a Tatiana, uma senhora de 70 anos que tinha feito viagens em carruagens do mesmo género 50 anos antes, quando era estudante universitária em Kyiv e ia frequentemente para Dnipro visitar os pais.
“Aqui não há fichas elétricas. Aqui não podes pôr o telemóvel a carregar. Mas eu lembrei-me que antes havia fichas nos corredores! E para que é que havia fichas nos corredores? Vocês não sabem, mas antigamente, os homens que eram mandados em viagens de negócios, traziam com eles máquinas de barbear elétricas! E em cima, havia um espelho, redondo. Os homens ligavam a máquina e barbeavam-se.”
A Tatiana e eu seguíamos para Lviv, onde está um dos meus locais preferidos para jantar em Lviv, o restaurante Kryivka. Um estabelecimento que funciona em pleno centro daquela cidade no nordeste da Ucrânia, sem qualquer indicação do que é. Quem quer entrar, tem que bater à porta e quando um homem vestido de soldado abre, o cliente tem que dizer uma palavra passe. Se não acertar, não entra.
Neste episódio partilho também convosco as vozes de Sofia e Inna, duas idosas que cantam musicas tradicionais ucranianas numa estação de metro em Kyiv. As senhoras cantavam em troca de esmola. As reformas que têm rodam os 100 euros, num país onde o custo de vida não pára de aumentar. Fiz uma pequena lista de comprar, para comparar: um litro de leite, um pacote de esparguete, uma lata de atum e uma dúzia de ovos. Num supermercado português, a despesa rondava os 7 euros. Num supermercado ucraniano, estava pelos 7,50 euros.
Este é o sexto episódio do Manual de Sobrevivência, um podcast narrativo sobre o dia a dia num país em guerra. Tem sonoplastia de João Luis Amorim, arte gráfica de Tiago Pereira Santos. As dobragens são de Francisco Barreto, Sílvia Lima Rato e Vitor Lopes. A coordenação é de Joana Beleza e a direção de Ricardo Costa. Eu sou a Iryna Shev e no próximo episódio vou levar-vos até à cidade de Dnipro.
* O Expresso adota a grafia Kiev, mas a autora pede que seja usado Kyiv