
Cresceu e viveu no bairro do Vale da Amoreira, em Setúbal. Da infância recorda os passeios de bicicleta, a vida “difícil” do bairro e os sacrifícios que os pais faziam para “sobreviver”. Cresceu numa família de testemunhas de Jeová e, desde cedo, sentiu o que era estar em “inferioridade numérica”. É filho de pais divorciados e lembra a última vez em que viu o pai em criança.
Os avós, retornados, regressaram de Angola e viveram no bairro da Serafina, em Lisboa. Mais tarde ocuparam casas no Vale da Amoreira, em Setúbal, onde cresceu.
Os pais conheceram-se no bairro e “faziam aquilo que era preciso para sobreviver”. No início dos anos 80, “a vida não era fácil” e a família passou por dificuldades, depois de a empresa onde o avô trabalhava ter ido à falência.
Filho de pais divorciados recorda uma fotografia de criança, então com três anos, captada durante as festas do Barreiro. Foi também nesse dia que viu pela última vez o pai durante a infância. Só o voltaria a ver aos 16 anos.
A vida era “vivida na rua”, a andar de bicicleta, mas a avó, protetora, não gostava que andasse com os “vadios”, conta. Cresceu numa família de testemunhas de Jeová e desde cedo que sentiu o que era estar em “inferioridade numérica”. Com quatro anos ia às celebrações com a mãe e com a avó. Desse tempo, herdou os hábitos de leitura, o conhecimento da Bíblia e a procura pela espiritualidade.
Através da vivência em comunidade no bairro tornou-se “sensível” às histórias dos outros. Talvez, admite, tenha nascido aqui a “veia de escritor”. Quando tinha 12 anos abriu a primeira biblioteca no Vale da Amoreira e sentiu que tudo tinha mudado. Hoje, esta biblioteca tem o seu nome.
Não consegue explicar como escapou à armadilha da pobreza. “Talvez tenha sido pela personalidade, força e capacidades intelectuais”, sugere. Com 30 anos, depois um divórcio, viu-se forçado a regressar ao bairro e à casa mãe - “uma das grandes desilusões” que teve na vida.
Depois de uma temporada em Lisboa, regressou para a margem sul do Tejo. A mãe ainda vive no bairro, onde regressa com frequência para a ver. Mas perdeu-se a mística. “Foram todos embora. O Vale da Amoreira tornou-se apenas mais um bairro social.”
O escritor, crítico literário e vencedor de um prémio Saramago, Bruno Vieira Amaral, é o novo convidado do podcast Geração 70. Numa conversa com Bernardo Ferrão recorda a infância, as amarguras e desilusões da vida e reflete sobre o país “centrado”, sem uma “verdadeira força de comunidade”, sem uma classe média “forte”, fracassado e “dependente do Estado”.
“Geração 70“ é uma conversa solta com os protagonistas de hoje que nasceram na década de 70. A geração que está aos comandos do país ou a caminho. Aqui falamos de expectativas e frustrações. De sonhos concretizados e dos que se perderam.
Um retrato na primeira pessoa sobre a indelével passagem do tempo, uma viagem dos anos 70 até aos nossos dias conduzida por Bernardo Ferrão.