"O atestado multiuso faz toda a diferença na vida dos doentes com cancro e há milhares de pessoas à espera"

Carla Barbosa, jurista da LPCC, respondeu durante a sessão - moderada por Rita Neves - , às questões de Jessica Arez, psicóloga da Associação Acreditar, e de Isabel Lobato, presidente da Associação Oncológica do Alentejo
"Milhares" de doentes estão à espera do seu atestado multiuso, garantiu Carla Barbosa, jurista da LPCC, na sessão do "Vamos falar?", desta vez dedicada à temática dos direitos dos doentes oncológicos. Já antes da pandemia os atrasos eram significativos, sendo que em algumas juntas médicas "os tempos de espera chegavam a ser de cerca de um ano", lembra a especialista. Com a chegada do novo coronavírus a situação agudizou-se, o que levou o governo a implementar um regime transitório específico para os doentes oncológicos. Não obstante, a medida não veio solucionar os atrasos, trazendo, inclusive, novos problemas.
De recordar que o atestado multiuso é um documento que atribui aos doentes oncológicos, e não só, um grau de incapacidade igual ou superior a 60%. Se a percentagem estiver entre estes valores, o portador desse atestado terá benefícios no contexto do Serviço Nacional de Saúde (comparticipação de medicamentos, por exemplo) e da Segurança Social, assim como benefícios de âmbito fiscal e de regime laboral.
A iniciativa ocorreu em formato digital, no facebook da Sic Notícias, e contou ainda com a presença de duas representantes de associações: Jessica Arez, psicóloga da Acreditar, e Isabel Lobato, presidente da direção da Associação Oncológica do Alentejo.
Clique AQUI para assistir à sessão na íntegra e veja, abaixo, os principais tópicos discutidos.
Regime transitório não está a funcionar em pleno
A alteração decorre da publicação da Lei n.º14/2021, emitida a 6 de abril, em Diário da República. "Com este procedimento, o Governo pretende dar resposta à demora na marcação e realização das juntas médicas de avaliação de incapacidade, uma situação que se agravou devido à pandemia”, refere o comunicado publicado no site do SNS. O que mudou, afinal?
- A nova lei prevê que passe a existir um regime transitório para a emissão de AMIM para os doentes com cancro recentemente diagnosticados e que a competência de emitir o mesmo passe a ser do hospital onde foi realizado o diagnóstico;
- O especialista encarregue de emitir o atestado poderá ser diferente do médico que já segue o doente.
Não obstante, Carla Barbosa assegura que, mesmo com as mudanças previstas, há "falta de regulamentação". Por um lado, existem instituições públicas que se negam a passar o atestado, uma vez que não o faziam anteriormente, mesmo que a nova alteração diga que o doente pode pedir o seu atestado no seu centro, seja ele de natureza pública ou privada. Por outro lado, há quem interprete que só são considerados diagnósticos recentes aqueles que ocorreram após a saída da nova regra, a 6 de abril. "A intenção não era essa, era sim facilitar a atribuição do atestado a todos os doentes diagnosticados desde 2020", explica a jurista.

"A questão do cuidador informal é um exemplo de boa legislação, mas no qual a operacionalização fica muito aquém, devido aos requisitos que dificultam a elegibilidade", sublinha Carla Barbosa
Nova interpretação da lei prejudica doentes
O despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, publicado em novembro de 2019, deu lugar a um ofício circulado da Autoridade Tributária e Aduaneira publicado no mês seguinte que faz uma nova interpretação da lei em vigor há 10 anos. A nova interpretação da lei vem dizer que o imposto único de circulação, em que há possibilidade de isenção, e o cálculo do IRS mais favorável aos doentes são considerados todos os anos como direitos novos e, portanto, não cabem no âmbito deste artigo 4. Esta situação faz com que os doentes que tinham um grau de incapacidade fiscalmente relevante e eram portadores de um atestado multiuso percam o acesso a estes benefícios fiscais.
A jurista deixa um exemplo: Se em 2010, a um doente tivesse sido atribuído uma incapacidade de 60% e, em 2015, a reavaliação indicasse que o grau de incapacidade era menor, o doente podia ficar com avaliação anterior, o que lhe permitia continuar a usufruir dos direitos durante os cinco anos seguintes. Agora, como a nova interpretação, deixou de ser uma realidade.
"Isto afeta todos os doentes e não só os oncológicos. Os doentes têm tentado lutar pelos seus direitos apresentando reclamações junto da Autoridade Tributária", conta Carla Barbosa, acrescentado que à LPCC têm chegado centenas de queixas de utentes que se confrontam com esta situação.
A especialista põe ainda a tónica nas sequelas dos tratamentos, com as quais os sobreviventes de cancro têm de lidar para o resto da sua vida, fazendo com que muitos fiquem incapacitados de trabalhar. Além disso, mesmo após a fase de doença ativa, alguns têm de continuar a fazer terapias coadjuvantes por muitos anos. "Os doentes oncológicos estão a perder as ajudas que existiam", diz Carla Barbosa, sendo este um fator que desestabiliza a economia familiar.
Saiba mais sobre os seus direitos
Apesar de estarem contemplados na lei, há uma falta de conhecimento generalizado em torno da sua existência. A Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) tem, nos últimos anos, apostado na divulgação de um guia (clique AQUI para o consultar), com o objetivo último de colmatar a falta de informação.
"Os direitos não estão todos no guia, ao detalhe, mas a versão digital que está disponível - e que já vai na 4ª edição - é um ótimo orientador", diz Carla Barbosa.
27 maio 2021
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