Ao longo das décadas, "Contos da Lua Vaga" ("Ugetsu Monogatari"), de Kenji Mizoguchi, é uma das referências clássicas do cinema japonês que sempre surgiu na eleição dos melhores filmes de sempre promovida pela revista britânica "Sight and Sound" — na mais recente dessas votações, organizada em 2022, surge em 90º lugar na lista final de 250 títulos. Foi em 1953, portanto há 70 anos, que ocorreu o lançamento de "Contos da Lua Vaga" — agora disponível em streaming, esta é uma boa ocasião para o descobrir ou redescobrir.
O menos que se pode dizer do cinema de Mizoguchi, um dos mestres absolutos da produção japonesa, é que possui uma invulgar dimensão poética, certamente enraizada no imaginário literário e figurativo do seu país, mas com um fortíssimo apelo universal.
"Contos da Lua Vaga" projecta-nos no século XVI, numa altura em que a guerra interna afecta, directa ou indirectamente, todas as famílias. O filme baseia-se em dois contos de um autor do século XVIII, Ueda Akinari, acompanhando dois casais enredados numa teia de sobrevivência, violência e avareza.
A vibração dramática de tudo isso é tanto maior quanto Mizoguchi se assume como um cineasta das paixões humanas, mas também das suas bizarras contradições. Dito de outro modo: "Contos da Lua Vaga" combina a metódica observação dos comportamentos humanos com a sugestão de uma dimensão alternativa, sem dúvida fantasmática, na definição desses mesmos comportamentos. Daí que esta seja uma obra-prima que oscila entre a pulsação realista e a fábula fantástica.