Yira Sorv (do Gent) fez a recarga bem sucedida a um pontapé de penálti falhado, mas o golo que marcou foi anulado após intervenção do VAR, porque Sorv estava a menos de 9.15m da bola quando o remate foi efetuado.
O árbitro seguiu a recomendação do seu colega de sala e recomeçou o jogo com pontapé-livre indireto contra a equipa atacante, no local da "intrusão".
O problema - que veio depois a fundamentar o protesto - é que, além dele, também Yari Verschaeren (jogador do Anderlecht) tinha desrespeitado a distância legal.
A justiça disciplinar da Federação Belga de Futebol contrariou decisão inicial da estrutura da arbitragem e decidiu considerar a situação como um "erro de direito" (má aplicação das leis de jogo), obrigando à repetição da partida.
Na minha opinião, a decisão foi errada e abriu precedente gravíssimo no campeonato belga. Porquê?
1. Bem, é verdade que a Lei 14 determina que a infração de jogadores das duas equipas obriga à repetição do pontapé de penálti, independentemente do seu resultado.
Mas isso pressupõe que os árbitros em campo vejam a irregularidade, o que é muito difícil tendo em conta o facto de haver demasiados jogadores para observar. O seu foco está quase sempre no executante e guarda-redes que defende;
2. Ora, o facto da equipa de arbitragem ver ou não que um ou mais jogadores não respeitaram a distância num pontapé de penálti não deve ser considerado um "erro de direito", mas antes "de facto". Ou seja, essa falha não é na verdade uma "má aplicação da lei", apenas a interpretação errada que ela foi cumprida.
O argumento utilizado é que, havendo infração das duas equipas, o jogo nunca poderia recomeçar com pontapé-livre indireto mas com a repetição do pontapé, o que está tecnicamente correto, mas isso pressupunha que o árbitro tivesse sancionado essa infração.
Mas a que foi punida foi outra, igualmente prevista nas leis de jogo: a de que um jogador que comete uma infração no penálti tire vantagem direta dessa ação.
3. E é aí que entra o VAR, que nestes casos só pode intervir quando quem infringe retira benefício.
Foi exatamente o aconteceu em relação ao jogador que fez a recarga: Sorv foi o único a beneficiar da posição indevida, porque marcou golo.
O vídeo árbitro nunca poderia atuar em relação ao outro atleta, porque esse não teve interferência no lance. E se ninguém em campo viu, não pode haver punição.
O VAR cumpriu a lei e o árbitro, perante o que viu, também. Não ver não é erro de direito. Não pode ser.
4. Além disto, há ainda a velha questão, a que se refere àquilo que "o futebol espera".
E o que o futebol espera é que haja sensatez na análise prática destas situações: a tensão que os jogadores sentem nestes momentos torna-os mais impulsivos. Têm a tendência natural para invadir zona proibida.
Não o fazem para infringir, mas como tentativa subconsciente de ajudarem a sua equipa caso o pontapé seja falhado.
Isso acontece em 99.9% dos pontapés de penálti.
É preciso aliar à teoria da regra escrita a sensatez prática. Tal como tantas outras leis, esta foi criada para evitar abusos, não para sancionar milímetros ou instintos inócuos.
Daqui para a frente, qualquer equipa que não ganhe um jogo e detete, num penálti marcado ou sofrido, um adversário em posição irregular (que não seja sancionado devidamente), está legitimada a protestar o jogo, vencer o recurso e ver a partida repetida.
O número de vezes que isso pode acontecer é assustador e não serve o espírito do jogo. Garantidamente.