Duarte Gomes

Comentador SIC Notícias

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O poder (e obrigação) de decidir lances cinzentos

Não esqueçamos que, para além de tanta gente a saltar e rematar, a carregar, cair ou gesticular, há mais de 100 metros de relvado onde tudo pode acontecer a qualquer momento.

O poder (e obrigação) de decidir lances cinzentos
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Se há coisa que o futebol não tem é falta de intensidade emocional. Há ali demasiadas variáveis subjetivas, o que de certo modo contribui para a sua beleza, via incerteza do resultado ou falatório pós-jogo.

A verdade é que é impossível objetivar tudo o que acontece naqueles noventa minutos. Não esqueçamos que, para além de tanta gente a saltar e rematar, a carregar, cair ou gesticular, há mais de 100 metros de relvado onde tudo pode acontecer a qualquer momento. Com tanta adrenalina e competitividade, com tanta genuinidade e teatralidade, acreditem... não há factualidade que resista.

Para os árbitros, esse é porventura o presente mais amargo que podem receber das leis de jogo. O poder (e a obrigação) de terem que decidir lances cinzentos é algo que dispensavam, por terem a perfeita noção que nem sempre tomam a melhor decisão. Mesmo que a tomem, saberão que jamais será consensual ou bem aceite.

É importante que se perceba que, ao contrário de qualquer pessoa que esteja do lado de fora do jogo - o adepto que sofre pelo clube ou o jornalista que analisa o jogo -, os árbitros têm ferramentas que o ajudam a analisar situações mais dúbias.

Se, por exemplo, quiserem perceber se determinado contacto físico foi ou não irregular, devem interpretar alguns sinais importantes: a forma como o alegado infrator aborda o adversário (a velocidade, intensidade ou malícia colocadas na ação), a tentativa ou não em tocar/jogar a bola, a zona do corpo que utiliza para efetuar o contacto e a forma como o faz (com força adequada ou acima do expetável).

Relativamente a quem sofre a carga, é importante que analisem a forma como cai (desamparado no solo ou de forma algo empolada), a possível lesão resultante do contacto, a sensibilidade da parte do corpo atingida (zona lombar, calcanhar de aquiles, joelhos ou cabeça), a velocidade a que seguia e até o facto de estar no ar ou com os pés em apoio no solo.

Mas tudo isso é momentâneo, rápido e, por vezes, pouco claro.

Além disso, acerto ou erro dependem também da colocação momentânea face ao lance (nem sempre o ângulo onde se encontram é o ideal para avaliar), do facto de terem ou não a visão desimpedida (não esqueçamos, há sempre jogadores em movimento constante) e até do critério técnico/disciplinar que mantiveram até então.

Quanto ao VAR, também tem que escolher num curto espaço de tempo as melhores imagens, com a ampliação desejável e do ângulo mais favorável, sendo que nem sempre isso acontece com qualidade premium que se desejava.

Esta realidade não desculpabiliza erros de análise grosseiros que parecem óbvios e evitáveis, mas serve para tentar explicar a dificuldade técnica e humana que há em avaliar-se situações que raramente têm uma só leitura.

Quem não acredita neste argumento, tem bom remédio: tira o curso de arbitragem (nós bem precisamos de reforços) e experimenta, por si próprio, esta coisa de andar lá no meio, de apito na mão.

Vão ver que passaram a ver a coisa de forma completamente diferente.