Os Estados Unidos retiram do Afeganistão os militares esta segunda-feira, cumprindo a data prometida por Joe Biden e que os talibã afirmaram como sendo uma “linha vermelha”. Augusto Santos Silva, Ministro dos Negócios Estrangeiros português, analisa o impacto desta retirada dos militares e lembra que os talibã fizeram um “compromisso verbal” de que não se oporiam à saída dos cidadãos afegãos.
“A questão mais importante que esta saída coloca é as condições da operação do aeroporto de Cabul para garantir a saída daqueles afegãos que queiram sair do Afeganistão. Há um compromisso verbal, do lado dos talibã, de que não se oporão à saída de cidadãos afegãos que tenham autorização para se deslocar para outros países e é necessário que essa declaração seja agora cumprida”, disse em entrevista à Edição da Noite da SIC Notícias.
Santos Silva lembra que a ONU fez um apelo às novas autoridades do Afeganistão “de que devem cumprir o seu próprio compromisso”. Sobre a possibilidade de Portugal vir a reconhecer o Governo talibã, o ministro afirma que “não se trata de reconhecer de um ponto de vista jurídico”.
“Trata-se de ter o mínimo de interação com as novas autoridades no Afeganistão para que seja possível, por exemplo, continuar a apoiar os cidadãos afegãos. E também confrontar o Afeganistão com as suas responsabilidades à luz da lei internacional”, disse, sublinhado que Portugal não reconhece Governos, mas sim países.
Quando questionado sobre a greve de fome de Nasir Ahmad, um protesto para que a mãe e a irmã sejam resgatadas do Afeganistão e venham para Portugal, Augusto Santos Silva afirma que “não há razão para ele dirigir uma greve de fome contra o Governo português, porque o Governo português, e os portugueses em geral, estão do lado dele”.
“Tomei a iniciativa de o contactar. Telefonei-lhe e expliquei-lhe que a resposta do Governo português é: sim, em tudo o que depender de nós. O que é que depende de nós? A concessão de visto de entrada dessas pessoas. Esse visto está garantido, será atribuído a essas pessoas já em território português e as condições de acolhimento e integração”, explicou.
Sobre o caso do intérprete que trabalhou com militares portugueses e afirma ter sido deixado para trás, denunciado pela RTP, Santos Silva disse, várias vezes, que os militares retiraram todas as pessoas que responderam positivamente ao contacto dos portugueses.
“A saída não foi possível, todos nós conhecemos as condições de extrema insegurança em que a operação se realizou e de grande valia foi a operação dos nossos militares – que estiveram em risco severo, mas realizaram a sua missão. O que os militares dizem é que todos aqueles que eles contactaram e que responderam positivamente ao nosso contacto tendo chegado ao aeroporto de Cabul foram encaminhados para os voos”, justificou o ministro.
O ministro foi ainda confrontado com as acusações de Ana Gomes que afirmou, no seu espaço de opinião na SIC Notícias, que Portugal estava a impor restrições para os homens afegãos que têm várias mulheres – que é legal e faz parte da cultura poligâmica do Afeganistão. Santos Silva não respondeu se o Governo considerava família um homem que tivesse várias mulheres.
► As reuniões com a União Europeia
Esta semana estão agendadas três reuniões entre os ministros dos estados-membros da União Europeia (UE). A primeira junta os ministros da Administração Interna, a segunda os da Defesa e a última será entre os ministros dos Negócios Estrangeiros. No entanto, Augusto Santos Silva não se compromete com o anúncio de uma decisão já na próxima sexta-feira, mas destaca a importância de perceber o que falhou no Afeganistão.
“Temos que refletir coletivamente sobre as razões deste falhanço. Porque nós não podemos ignorar é que forças armadas que nós contribuímos para formar, cuja a capacitação dedicamos o essencial da operação desde 2015, pelo menos, fracassaram. O presidente fugiu, as forças não combateram e portanto é preciso fazer a análise disso.”
O ministro português reconhece que serão reuniões difíceis, principalmente devido à existência de estados-membros que já recusaram publicamente acolher refugiados afegãos. Caso não haja acordo entre os 27, deverá ser aplicado um sistema de voluntariado, avança o ministro, garantindo que Portugal irá colaborar na integração de refugiados.
Sobre o número de afegãos a acolher em terras lusas, Santos Silva não se quis comprometer:
“Nós vamos aumentando a nossa capacidade de acolhimento em função das necessidades. Nós vamos ter que criar ao nível da UE um programa de apoio aos requerentes de asilo e às pessoas que precisam de proteção humanitária oriundas do Afeganistão. É difícil dizer qual é a parte a assumir como responsabilidade sem saber qual é o todo e qual é a contribuição dos seus parceiros."
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