Afeganistão

Guterres apela a diálogo com talibãs para evitar "milhões de mortes"

Nos contactos mantidos "até agora, há pelo menos recetividade para falar", assegurou.

Guterres apela a diálogo com talibãs para evitar "milhões de mortes"
Susana Vera

O secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu que a comunidade internacional mantenha "um diálogo" com os talibãs, para evitar o "colapso económico" no Afeganistão, com "milhões de mortes".

"É preciso manter um diálogo com os talibãs, no qual afirmamos os nossos princípios de uma forma direta, um diálogo com um sentido de solidariedade com o povo afegão", declarou na quinta-feira António Guterres, numa entrevista à agência de notícias France-Presse.

"O nosso dever é estender a nossa solidariedade a um povo que sofre enormemente, onde milhões e milhões estão em risco de morrer de fome", insistiu.

Guterres considerou que não há garantias por ser uma situação imprevisível, mas "porque é imprevisível, os talibãs devem estar envolvidos (...), para que o Afeganistão não seja um centro de terrorismo, para que mulheres e raparigas não percam todos os direitos adquiridos durante o período anterior, para que os diferentes grupos étnicos se sintam representados".

Nos contactos mantidos "até agora, há pelo menos recetividade para falar", assegurou o antigo primeiro-ministro português, que não excluiu a possibilidade de visitar um dia o Afeganistão se as condições forem adequadas.

"É preciso que o terrorismo não tenha base no Afeganistão"

A ONU quer "um governo inclusivo", no qual a sociedade afegã esteja amplamente representada e "este primeiro governo provisório", anunciado há alguns dias, "não dá esta impressão", lamentou.

"É preciso respeito pelos direitos humanos, pelas mulheres e raparigas. É preciso que o terrorismo não tenha base no Afeganistão para lançar operações em outros países e é preciso que os talibãs cooperem na luta contra a droga", reiterou.

A ONU quer que o Afeganistão possa "ser governado em paz e com estabilidade, com respeito pelos direitos humanos", afirmou Guterres.

Pela sua parte, os talibãs "querem ser reconhecidos, querem o fim das sanções, apoio financeiro e isso dá à comunidade internacional alguma influência", disse.

"Permitir que a economia afegã respire"

O governo provisório talibãs ainda não foi reconhecido internacionalmente, mas é preciso "evitar uma situação de colapso económico que pode ter consequências humanitárias terríveis", sublinhou Guterres.

É possível, tomando o exemplo do que aconteceu com o Iémen, fornecer a Cabul "instrumentos financeiros", independentemente das atuais sanções, "para permitir que a economia respire", adiantou.

"É do interesse da comunidade internacional, e não estou a falar de levantar sanções ou de reconhecimento, estou a falar de medidas específicas para permitir que a economia afegã respire", concluiu o secretário-geral da ONU.

Na terça-feira, os talibãs anunciaram um Governo provisório totalmente masculino para o Afeganistão, com veteranos da sua linha dura, que governou o país entre 1996 e 2001, e da luta de 20 anos contra a coligação internacional liderada pelos Estados Unidos, que terminou em agosto.

Jornalistas espancados enquanto cobriam manifestação em Cabul

O fotógrafo Nematullah Naqdi, de 28 anos, e o repórter Taqi Daryabi, de 22, foram detidos e torturados durante horas pelos talibã, esta quarta-feira, em Cabul, capital do Afeganistão.

Os jornalistas cobriam uma manifestação de mulheres quando foram levados para uma esquadra da polícia.

Zaki Daryabi, um dos fundadores e editor do jornal Etilat Roz, disse à agência Reuters que os colegas foram mantidos no centro de detenção durante pelo menos quatro horas.

Daryabi considera que este espancamento representa uma mensagem para os meios de comunicações afegãos que, nos últimos 20 anos, tornaram-se independentes e cresceram a bom ritmo devido ao financiamento de doadores ocidentais.

Os repórteres do Etilat Roz recordaram que foram pontapeados na cabeça, esmurrados e espancados com bastões, cabos elétricos e chicotes.

"Um dos talibã pôs o pé na minha cabeça e esmagou-me o rosto contra o chão. Deram-me um pontapé na cabeça. Pensei que me iam matar", disse Nematullah Naqdi à agência AFP.

"Os talibãs começaram a insultar-me, a pontapear-me", recorda Naqdi, acrescentando que foi acusado de ser o organizador do protesto.

Perguntou porque estava a ser espancado e teve a resposta que muito provavelmente não esperava: "Tiveste sorte em não teres sido decapitado".

Horas mais tarde os jornalistas foram libertados sem qualquer explicação.

Nematullah Naqdi e Taqi Daryabi foram aconselhados pelos médicos a descansarem durante pelo menos duas semanas.