Além Fronteiras

"Acaba o jogo e estou à espera para começar a festejar, olho para o lado e estava tudo a rezar no chão"

“Um homem treinar mulheres num país muçulmano é surpreendente”, confessa ao Além Fronteiras o treinador da seleção feminina de futsal da Indonésia, o português Luís Estrela. O selecionador, que também passou pelo Benfica, pode fazer história ao leme da equipa que orienta há cerca de meio ano.

Loading...

Luís Estrela jogou ao lado de Ricardinho, orientou as camadas jovens de futsal do Benfica e, em dezembro de 2024, foi recrutado para orientar a seleção feminina de futsal da Indonésia, um país repleto de beleza natural e onde o futebol e o futsal estão em clara evolução. O treinador português de 45 traz ao Além Fronteiras histórias inusitadas que já viveu no país asiático e uma perspetiva de como a religião e o desporto podem andar de mãos dadas.

Depois de “vários anos” como coordenador e treinador dos escalões jovens das ‘águias’, Luís Estrela foi contactado, “de forma surpreendente”, assume, pela Federação da Indonésia para integrar um lote de 10 candidatos a selecionador, tendo sido o escolhido. 

“Um homem treinar mulheres num país muçulmano é ainda mais surpreendente”, confessa, mas reconhece que a cultura asiática “tem uma forma diferente de ver o treinador”: 

“No fundo, o treinador, na Indonésia ou no Vietname ou na Tailândia, é um formador e é um líder, é alguém de elevado reconhecimento e, portanto, eu fui muito bem recebido.” 

“Existem atletas que estão de cara tapada"

Num país com cerca de 280 milhões de habitantes, sendo a maioria devota do islamismo, o trabalho e a religião acabam por se cruzar no dia a dia, algo que, em Portugal, não é tão comum. 

O técnico conta que no quotidiano há vários momentos religiosos em que as atletas que orienta param para rezar. Os treinos, inclusive, têm de ser adaptados em função dessa prática, revela. 

“Existem atletas que estão de cara tapada e, acima de tudo, parece que em todo o momento, antes de comer, depois de comer, antes de ir para o treino, antes de iniciar o treino, finalizar o treino, portanto, aqui nós, como grupo, existe quase um momento de reza, quase de 20 vezes durante o dia”, conta o selecionador. 

Missão Campeonato do Mundo

Luís Estrela e a sua comitiva encontram-se na China para tentarem carimbar o passaporte para o primeiro Campeonato do Mundo de futsal feminino, que irá ser disputado nas Filipinas entre novembro e dezembro de 2025.  

Portugal já garantiu presença no torneio, um feito que o treinador pretende replicar com a Indonésia, mas a missão, explica, será “muito difícil” até porque a seleção que orienta está em fase de desenvolvimento. 

E para fazer crescer a equipa feminina e a modalidade no país asiático, a Federação de Futebol da Indonésia confia em Luís Estrela, que acredita que os treinadores de futsal português estão “num nível muito alto de reconhecimento”. 

A Indonésia é um destino turístico bastante procurado, muito por conta das praias paradisíacas, uma beleza natural que o treinador luso atesta. Para além disso, destaca ainda a comida, que, garante, não é como esperava: 

A comida é excecional. Não tem aquele bife que nós estamos habituados de Portugal ou aquele peixinho grelhado [...], mas há comidas excecionais. O peixe é ótimo e a fruta é muito saborosa.” 

"Olho para o lado e estava tudo a rezar no chão"

A primeira vez que pisou o solo indonésio, conta, foi uma experiência “surreal e impactante” isto porque foi recebido “com uma festa” e bastante “euforia”. 

Outro episódio inusitado que relata aconteceu após a qualificação para o torneio que vale um bilhete para o Mundial das Filipinas: 

“Quem ganhasse esse jogo era o vencedor e vinha disputar esta fase de qualificação para a China. Acabou 6-0. Tu acabas o jogo e estás ali, tens ali aquele momento de euforia, meio de descompressão, em que queres festejar com o staff, com as jogadoras. E quando acaba o jogo e eu estou à espera para começar a festejar, olho para o lado e estava tudo a rezar no chão. E eu fiquei com o meu staff no chão a rezar, com as jogadoras a fazer as suas preces, e eu: 'o que é que eu faço agora? Não me vou atirar para o chão'. Fiquei ali por um momento sem saber bem o que fazer, mas pronto, festejei sozinho.” 
Mais Vistos do