Marisa Isabel dos Santos Matias nasceu em Coimbra, em 1976, mas foram as ruas da aldeia de Alcouce, em Condeixa-a-Nova, que marcaram a sua infância. Andava todos os dias cinco quilómetros para ir para a escola e ajudava a família no pastoreio e na agricultura.
A mãe, que lhe incutiu “uma exigência muito grande quanto ao tratamento igual”, era empregada de limpeza e o pai guarda-florestal. O gosto pela política foi-lhe passado por Álvaro Febra, o comunista da aldeia, nas conversas de horas que trocavam nas escadas junto à casa dos avós de Marisa.
Ele ensinou-me muitas coisas sobre a política, sobre a ditadura, sobre a resistência antifascista, quando era ainda uma miúda pequena.
Contou a candidata ao projeto “Os 230” da Comunidade Cultura e Arte.
Aos 16 anos começou a trabalhar para pagar os estudos e contribuir para o orçamento familiar. E foi sempre assim ao longo do seu percurso académico: serviu às mesas de bares e cafés e fez limpezas.
Marisa foi a primeira da família a concluir uma licenciatura, aos 22 anos. Todo o percurso académico foi feito na área de Sociologia, na Universidade de Coimbra, desde a licenciatura ao doutoramento.
As Ciências Sociais, nomeadamente a Sociologia, ensinaram-lhe a incluir complexidade nas questões e a identificar problemas de uma maneira mais atenta.
Muitas vezes cometemos erros de avaliação e de decisão política por estarmos a tentar impor medidas em sociedades para as quais essas medidas nunca vão dar resposta aos problemas e, por isso, é importante conhecer essas sociedades.
Em 1997 começou a trabalhar como secretária da Revista Crítica de Ciências Sociais, integrada no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES), onde viria a tornar-se investigadora em 2004. Também deu aulas no ensino profissional e em cursos de pós-graduação.
Do Bloco de Esquerda até Bruxelas
Em 2004, aderiu ao Bloco de Esquerda, que considera o “projeto político-partidário mais completo" que temos em Portugal. Viu no partido de esquerda uma resposta política em linha com aquilo que defendia.
Bastaram-lhe cinco anos no partido para chegar a Bruxelas como eurodeputada, cargo que desempenha até hoje.
Em 2009, logo no início do seu primeiro mandato, foi nomeada relatora do Parlamento Europeu para a diretiva que previne a entrada de medicamentos falsificados na cadeia de distribuição Europeia. Depois de negociações levadas a cabo durante dois anos, a diretiva foi aprovada e transposta para os Estados-membros.
Um ano depois tornou-se vice-presidente do Partido da Esquerda Europeia, cargo que ocupou até 2019, ano em que foi eleita vice-presidente do Grupo da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde.
Mas este viria a ser apenas o início do trabalho que tem desenvolvido em Bruxelas, não só na área da saúde, como também nas áreas da investigação, inovação, economia e alterações climáticas.
Ganhou destaque com a estratégia europeia de combate ao Alzheimer, com a co-autoria da primeira resolução aprovada no Parlamento Europeu com vista a definir linhas políticas de combate à diabetes e ainda com resoluções relativas ao cancro e ao HIV.
O trabalho acabou por lhe valer o prémio de Deputada do Ano na área da saúde - o primeiro a ser atribuído a uma deputada do Grupo Parlamentar da Esquerda Unitária.
Neste momento é Presidente da Delegação para as Relações com os Países do Maxereque - Líbano, Egipto, Síria e Jordânia - debruçando na questão dos refugiados.
As bandeiras: luta pelos Direitos Humanos e contra as desigualdades
Marisa é feminista “na teoria e na prática”, ativista dos Direitos Humanos e marca presença em movimentos cívicos ligados à cultura, ambiente e direitos sexuais.
Em 2016, durante a primeira campanha presidencial que participou como candidata do Bloco de Esquerda, passou também a ser uma voz ativa na luta pelos direitos dos cuidadores informais, tanto em Portugal como na Europa. Tem denunciado a falta de direitos e de condições dos cuidadores e tem ajudado a organizar encontrados nacionais.
Até Marcelo Rebelo de Sousa, seu rival na corrida a Belém, elogiou o trabalho de Marisa Matias neste âmbito.
“Foi incansável, batalhámos em conjunto e eu admiro muito a Marisa Matias, porque ela é assim quanto aos cuidadores informais, mas é assim na vida. Tenho uma grande admiração por ela como cidadã, como eurodeputada, como defensora dos diretos, e como uma pessoa solidária. Sou suspeito”, afirmou o Presidente da República no Dia do Cuidador Informal.
O combate à pobreza e às desigualdades também marca a agenda política da bloquista. Num debate das eleições presidenciais chegou mesmo a admitir que não vê as desigualdades como um desvio das políticas do país, mas sim como o centro das políticas que têm sido implementadas. “São a regra, não são a exceção”, afirmou.
Neste âmbito a sua proposta é clara: defende os serviços públicos e uma estratégia contra a precariedade, ao mesmo tempo que pretende atingir a igualdade em todos os sentidos, quer em questões de género ou em questões relacionadas com minorias.
Salvar o Serviço Nacional de Saúde
Quando fala do Serviço Nacional de Saúde, a candidata do Bloco de Esquerda cita sempre dois nomes: António Arnaut e João Semedo, que em 2017 elaboraram uma proposta de Lei de Bases da Saúde, onde é blindada a iniciativa privada.
É nesse Serviço Nacional de Saúde que Marisa acredita e que quer ver implementado. Logo no primeiro comício digital realizado no âmbito das eleições presidenciais, Marisa Matias defendeu que é preciso salvar o SNS.
É por isso que no centro da proposta política que apresento desta candidatura, no centro daquilo que me motiva desta candidatura, no centro do combate que travo todos os dias - e continuarei a travar depois desta candidatura, depois desta eleição, com a força que tiver, com a força que ela me der - está um contrato para a saúde.
Face à pandemia de covid-19, a candidata do Bloco reforça ainda a ideia de que os privados da Saúde não dão resposta ao país quando são necessários.
“Estamos há quase 50 anos em democracia e nunca tivemos uma mulher presidente”
Apesar do resultado histórico conseguido nas presidenciais de 2016, Marisa Matias não foi dada como candidata garantida na campanha de 2020. A chegada à frente de Ana Gomes podia fazer antever uma coligação de esquerdas que conseguisse agregar mais votos.
Porém, o Bloco de Esquerda optou por lançar um candidato e a escolhida foi, mais uma vez, Marisa Matias. A 9 de setembro de 2020, no Largo do Carmo, a bloquista anunciou a sua candidaditura na presença de dezenas de profissionais de saúde que combatem a pandemia de covid-19.
Divergências com outros candidatos
A divergência mais profunda e notória é com o candidato do Chega, André Ventura, com o qual admite não ter nenhum ponto em comum. Tal como reafirmou nos debates presidenciais, Marisa Matias garante que não daria posse a um governo do Chega caso fosse Presidente da República.
Apesar de Marcelo elogiar Marisa Matias, a candidata do BE afirma que os dois têm “posições radicalmente opostas” em matérias como o Serviço Nacional de Saúde e o Novo Banco.
Nas candidaturas de João Ferreira e Ana Gomes já é possível encontrar alguns pontos convergentes, embora não concorde com a visão da política internacional do candidato do PCP ou com a política de Defesa da socialista.
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