A entrevista de Marques Mendes na SIC e SIC Notícias da última noite trouxe uma notícia: a de que, como chefe do Estado, o social-democrata aceitaria dar posse a um Governo liderado por André Ventura, mas com a exigência prévia de um documento escrito com garantias de respeito constitucional.
Mas a hora de conversa com Clara de Sousa, mais do que uma notícia, reforçou uma evidência: de entre todos os candidatos a Belém, dos já assumidos aos que ainda poderão surgir, Marques Mendes é o que tem de longe o melhor currículo para ocupar a Presidência da República. Ninguém lhe chega sequer aos calcanhares.
Foi autarca antes dos 20 anos. Entrou para o Governo antes do 30 e foi secretário de Estado e ministro cerca de 13 anos no total. Conselheiro de Estado mais de uma década. Foi líder de um dos grandes partidos nacionais. Foi deputado. Foi líder de bancada parlamentar.
Foi, ainda, comentador televisivo de relevo durante 12 anos.
Conhece bem os dossiers, as leis, a Constituição e a prática constitucional e de relacionamento entre órgãos e titulares de soberania.
Apresenta-se como moderado, sensato, ponderado e com elevado sentido ético.
Imaginemos as presidenciais como uma grande entrevista de emprego. Se o critério fosse avaliar o CV de cada candidato e escolher quem fica com o emprego, Mendes já tinha cinco anos garantidos em Belém.
Mas… algo não parece bater certo. Qual o problema?
O problema é que o CEO (são 10 milhões) que avalia os candidatos não se limita a olhar para os curricula que apresentam.
E um candidato cujas grandes qualidades que apregoa são o bom senso e a moderação dificilmente é em 2025 um candidato que toque nas campainhas que os eleitores mais pedem – a era dos líderes fortes autoritários e em que os valores democráticos estão em declínio parece valorizar mais outras características.
Mendes pode ser um óptimo Presidente, mas por este caminho vai ter muitas dificuldades em lá chegar. Dificuldades que só crescem com a recente entrada em cena de Cotrim e Ventura.
Em carisma, o candidato dificilmente fica a ganhar. Não suscita entusiasmo (apesar de dizer que "é muito próximo das pessoas") e não agrega sequer o campo politico da maioria que governa o pais nesta altura.
É totalmente do sistema, assume -se como tal, e entende que isso é uma mais-valia. Mas o tempo não é um tempo que favoreça o sistema político e partidário tradicional. Hoje em dia isso mais parece cadastro que currículo.
Finalmente, a dispersão de candidatos no seu campo politico torna mais complexa uma passagem à segunda volta. Como é possível a Mendes ter mais de um milhão de votos para disputar uma segunda volta quando disputa o mesmo campo eleitoral que o Almirante, que André Ventura e que Cotrim Figueiredo?
Estamos no trimestre final antes da ida a votos e o caminho para Mendes parece hoje mais estreito do que quando em Fafe se lançou na corrida. A sensação que fica é que Marques Mendes pode tornar-se o melhor Presidente que nunca o chegou a ser.
P.S.: a exigência de garantias de respeito constitucional para dar posse a um governo de Ventura é um soundbyte apelativo, mas se bem esmiuçado é mais duvidoso. Não é legítimo que alguém chegue ao governo com um projeto de alteração constitucional? Deve ser barrado de governar se quiser alterar artigos da Lei Fundamental? No mínimo, isto é duvidoso.