O elevado número de pessoas a procurar tratamento no hospital de Abs, na província de Hajjah, Iémen, está a deixar as equipas hospitalares e os serviços essenciais sobrecarregados. Os pacientes têm constantemente de partilhar camas e o serviço de urgências, a ala de maternidade, a unidade neonatal e o centro de alimentação terapêutica em regime de internamento operam de forma frequente a muito mais de 100 por cento da capacidade.
As equipas da Médicos Sem Fronteiras (MSF), que trabalham neste hospital desde 2015, constatam que a estrutura chegou ao limite da capacidade para dar a resposta necessária.
“Face ao aumento no número de pacientes ao longo dos anos, adaptámos o nosso apoio ao hospital de Abs expandindo diversos departamentos, aumentando a capacidade de camas e consolidando os recursos humanos”, explica a coordenadora-geral da MSF no Iémen, Caroline Ducarme.
“Este apoio ao hospital de Abs tornou-se numa das maiores respostas humanitárias da MSF em todo o mundo, mas agora chegámos ao limite da nossa capacidade de resposta, em termos de espaço, de recursos humanos e de abastecimentos.”
O aumento na procura pelos serviços no hospital de Abs deve-se a vários factores, incluindo o continuado conflito no Iémen, a escassez de serviços de cuidados primários de saúde de qualidade e a preços acessíveis – o que se traduz em que pacientes que procurariam cuidados em clínicas locais veem-se obrigados a procurar tratamento nos hospitais, muitas vezes chegando já quando o estado de saúde é grave –, e as precárias condições de vida existentes nos campos para pessoas deslocadas internamente no distrito de Abs, incluindo a falta de água limpa e de saneamento, o que resulta em surtos de doenças.
Um dia com o médico Ibrahim Isah Mohammed no hospital de Abs
"Vim aqui à procura de cuidados para a minha filha. Não temos como pagar os tratamentos"
Dalal al-Khamisi trouxe a filha ao hospital de Abs: “Vim aqui à procura de cuidados para a minha filha, Amna. Ela tem oito anos e há anos que tem anemia grave e problemas cardíacos crónicos. Nós não temos como pagar os tratamentos dela. Viemos para aqui porque ela desmaiou, e foi logo admitida no serviço de urgências porque o estado dela não era estável.”
A situação na região agravou-se no ano passado, quando cortes no financiamento fizeram com que diversos prestadores de cuidados de saúde parassem de trabalhar na província de Hajjah e na província vizinha de Al-Hudayda. Consequentemente, foram suspensos serviços em várias estruturas de saúde e outras ficaram sem provisões médicas suficientes, o que aumentou ainda mais a pressão no hospital de Abs.
“Apesar de termos expandido significativamente as nossas atividades no hospital de Abs ao longo dos anos, aumentando a capacidade de camas de 33 para 288, e prestando apoio em mais de 80 por cento dos departamentos do hospital, continuamos a não conseguir cobrir as necessidades de todas as pessoas”, frisa Caroline Ducarme.
O hospital de Abs é a única estrutura hospitalar para cerca de um milhão de pessoas na região, e a MSF é a única organização internacional com presença permanente na área.
MSF reorganiza atividades para melhorar qualidade dos cuidados prestados
Em 2022, as equipas da MSF no hospital de Abs prestaram 79.325 consultas de emergência, providenciaram assistência em 10.181 partos, disponibilizaram cuidados a 3.095 recém-nascidos na unidade neonatal, trataram 2.944 crianças com desnutrição no centro de alimentação terapêutica em regime de internamento, fizeram 5.237 cirurgias e trataram 1.202 pacientes com malária.
Em junho passado, o Ministério da Saúde iemenita abriu um departamento de consultas externas no hospital de Abs com o objetivo de disponibilizar consultas gerais a pacientes. Isto veio reduzir a pressão no serviço de urgências que é gerido pela MSF, e o qual ficava muitas vezes sobrecarregado com pacientes com casos que poderiam ser tratados a um nível de cuidados básicos de saúde. Entre junho e agosto de 2022, foram observados 9 187 pacientes no serviço de urgências apoiado pela MSF e encaminhados para o departamento de consultas externas.
A MSF continuará a prestar apoio ao hospital de Abs este ano, mas é claro que existe uma necessidade urgente de que mais organizações de saúde reforcem e apoiem a provisão de cuidados de saúde neste distrito, onde as pessoas têm uma série de necessidades de saúde de emergência, incluindo riscos de desnutrição e de sarampo.
“O impacto drástico do conflito prolongado no Iémen sobre o sistema de saúde do país requer esforços adicionais dos doadores e das organizações humanitárias para desenvolver e fortalecer o sistema de saúde, de forma a garantir que cuidados de qualidade e a preços acessíveis estão disponíveis para todas as pessoas no distrito de Abs, na província de Hajjah e em todo o Iémen”, defende Caroline Ducarme.
A coordenadora-geral da MSF no Iémen sustenta ainda: “É necessária ação urgente também por parte das autoridades de saúde e das organizações humanitárias e de desenvolvimento, para colmatar as lacunas existentes nos cuidados primários de saúde, garantir acesso atempado a cuidados médicos e reduzir os riscos de complicações que levam a uma maior procura pelos serviços secundários de saúde.”
A MSF está a reorganizar as atividades que desenvolve no hospital de Abs em colaboração com o Ministério da Saúde do Iémen. O plano, que foi lançado no ano passado, inclui rever os critérios de encaminhamento e de admissões em alguns dos serviços e a passagem de alguns serviços para a tutela do Ministério de Saúde Pública, além de fazer ajustes na gestão dos recursos humanos. Com esta reorganização, a MSF visa melhorar a qualidade dos cuidados prestados e concentrar esforços nos pacientes mais vulneráveis e em atividades que salvam vidas, desenvolvendo em simultâneo a capacidade do sistema público de saúde do país, de forma a assegurar soluções sustentáveis para a prestação de cuidados de saúde no distrito de Abs.