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"Senti que estava à beira da morte": a jornada de Ahsan contra a hepatite C

A história de Muhammad Ahsan mostra o impacto do programa de tratamento da hepatite C que é fornecido sem custos pela Médicos Sem Fronteiras no bairro de Machar Colony, em Carachi, no Paquistão. A organização começou a providenciar cuidados em 2012, mas foi em 2015 que estabeleceu um programa abrangente de hepatite C: rastreio, diagnóstico, tratamento, formação em saúde e acompanhamento. Tudo numa só clínica.

Muhammad Ahsan, 47 anos, recebeu tratamento para a hepatite C na clínica da MSF em Carachi, no Paquistão
Muhammad Ahsan, 47 anos, recebeu tratamento para a hepatite C na clínica da MSF em Carachi, no Paquistão
Asim Hafeez/ MSF

Começamos pelo fim. Muhammad Ahsan, sentado à porta da clínica da Médicos Sem Fronteiras (MSF), aguarda ansiosamente pelo resultado do terceiro teste para a hepatite C, após ter completado o tratamento. “Senti que estava à beira da morte. Não fazia a mínima ideia do que se estava a passar comigo. Estava tão fraco que não me conseguia mexer”, recorda.

Sentado, ali, agora, à espera do fim de uma jornada que começou há oito anos, quando lhe foi diagnosticado ter hepatite C. Pensava que a infeção lhe ia tirar tudo e dar a maior mágoa de sempre. “Os meus filhos ainda eram crianças e eu ganhava o dinheiro lá para casa. À medida que o tempo ia passado, senti que estava a deixá-los para trás.”

O tempo passou e permitiu ao vírus da hepatite tirar-lhe 31 quilos: no início, pesava 68. No pior momento, pesou 37. É oriundo de Gujrat, para onde regressou após 25 anos a viver na cidade de Carachi, no Paquistão, que fica a 1 200 quilómetros de distância da sua aldeia-natal.

E o fim dá-se ali, na clínica de hepatite C da Médicos Sem Fronteiras em Carachi. Muhammad Ahsan recebe a derradeira notícia: resultado negativo. Curou-se do vírus.

No início, sentiu simplesmente dores nas pernas e soluços após as refeições. Um médico sugeriu-lhe um teste de hepatite C. O resultado foi positivo e ditou-lhe oito anos de imensos desafios que, no fim, conseguiu superar.

A batalha de Ahsan: “Estava desesperado por uma cura"

Antes de Ahsan conhecer a MSF, a organização médica e humanitária já providenciava cuidados dedicados em Carachi, no bairro de Machar Colony, desde 2012. Foi só em 2015, porém, que estabeleceu um programa abrangente de hepatite C, prestando uma gama completa de serviços: rastreio, diagnóstico, tratamento, formação em saúde e acompanhamento. Tudo sob o teto de uma só clínica.

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Se não for tratado atempadamente, o vírus da hepatite pode progredir para o estágio final da doença hepática, ou para o cancro do fígado. No geral, é detetado tardiamente, apenas quando começam a manifestar-se os sintomas: às vezes, tarde demais. Reutilizar agulhas e lâminas de barbear, partilhar artigos domésticos, como pentes ou escovas de dentes, são os fatores de risco mais comuns para a propagação do vírus da hepatite C (VHC), que é transmitido através do sangue.

Ahsan procurou primeiro tratamento no Hospital Jinnah, onde foi submetido a um ciclo de três meses de medicação, que acabou por se revelar ineficaz. “Fiquei devastado. Depositei todas as minhas esperanças naquele tratamento e falhou-me. Senti mesmo que estava a ficar sem opções”, confessa.

Desesperado por uma solução, recorreu a um hakeem (curandeiro tradicional) em Layeh, que lhe deu ervas medicinais. Depois de tomá-las, sentiu-se melhor, mas os testes de PCR (feitos por técnica de reação em cadeia da polimerase) continuavam a apontar positivo para a hepatite C.

A vida de Ahsan continuou suspensa. Entre a determinação em sustentar a família e a incapacidade para trabalhar, foi obrigado a depender de empréstimos de amigos para cobrir as necessidades básicas do lar.

Há cerca de um ano, porém, um dos amigos de Carachi falou-lhe do tratamento gratuito disponível na clínica da MSF. Encorajado pelo tratamento bem sucedido do amigo na instalação, Ahsan decidiu tentar. “Estava desesperado por uma cura. Sabia que era a minha última oportunidade e estava disposto a tentar qualquer coisa.”

Começou a ser tratado para o VHC, após uma observação inicial e testes médicos. Na clínica, a primeira linha de tratamento para a infeção por hepatite C é um ciclo de 12 semanas com os antivirais sofosbuvir e daclatasvir.

“Em alguns pacientes, a infeção viral da hepatite C é resistente e não pode ser curada com esse curso de tratamento. Isso pode ser porque o vírus é resistente ou porque o paciente está a ter dificuldades em aderir corretamente ao regime da medicação”, explica a médica Natasha Mustafa, que trabalha na clínica da MSF em Machar Colony, Carachi.

“Foi uma luta… Tinha de ser forte para a minha família”

“Estava ansioso e preocupado”, lembra Ahsan. “Mas a equipa da MSF foi gentil e solidária. Trataram-me com respeito, ao contrário de outros hospitais, onde me senti simplesmente como um número.” Apesar de ter completado três ciclos de tratamento, os testes que fazia continuavam a ser positivos para a hepatite C.

Natasha Mustafa explica que existe uma segunda linha de tratamento, “se a infeção persistir por três meses após findar o tratamento”. Mais medicamentos para Ahsan. Mais 12 semanas de tratamento, seguidas por outras 12 sem medicação. Em seguida, mais um teste PCR.

Para pacientes que desenvolvem resistência a medicamentos antivirais de ação direta, existe um regime de terceira linha. Para Ahsan não foi necessário: voltou para casa e continuou o tratamento na clínica da MSF. “Foi uma luta, mas eu sabia que tinha de continuar a lutar. Tinha de ser forte para a minha família, para os meus filhos.”

Objetivo da MSF: eliminar a hepatite C de Machar Colony até ao fim de 2024

A história de Ahsan destaca o impacto do programa de tratamento da hepatite C que é fornecido sem custos pela MSF, com os cuidados sempre centrados no paciente e acesso a regimes de segunda e terceira linha quando necessário.

O principal objetivo deste projeto da MSF é eliminar a hepatite C no bairro de Machar Colony até ao fim de 2024, através de um modelo inovador para “achatar a curva”, ampliando o rastreio e testes para todos os residentes com idade igual ou superior a 12 anos, de forma a conter a propagação do vírus. Tendo em conta a prevalência da infeção por VHC no Paquistão, todas as pessoas devem ser submetidas a pelo menos um rastreio por ano, independentemente de sinais ou sintomas.

Só em 2023, a MSF realizou 45.377 testes rápidos de diagnóstico e 6.480 testes PCR, mobilizou 58.078 pessoas para sensibilização e iniciou tratamento antiviral para 1.942 pacientes, dos quais 981 acabaram curados do vírus da hepatite C.